segunda-feira, dezembro 26, 2005

Mistida: Uma obra de ficcão guineense adaptada ao teatro

Os Fidalgos, grupo de teatro guineense, estrearam “Mistida”, de Abdulai Sila, no dia 30 de Outubro, em Bissau. Com este trabalho, baseado em dois capítulos do romance do escritor guineense Abdulai Sila, publicado em 1997, Os Fidalgos, pela voz de Amélia da Silva, pretendem «mostrar que cada um tem a sua mistida, um assunto muito importante na vida para resolver, seja onde for». Nas palavras do autor, que escreveu ainda “Eterna Paixão” e “A Última Tragédia”, “Mistida” significa amor, demanda interior que nos impele à sua procura. A direcção artística do espectáculo está a cargo de Amélia da Silva, Jorge Biague e Musa Camará, com o apoio de Andrzej Kowalski. Paralelamente a esta estreia, Os Fidalgos preparam a re-montagem do espectáculo “O Lutador”, uma co-produção do grupo com a Cena Lusófona estreada em 2002 e apresentada no ano passado em Coimbra no programa da Estação.
SILA, Abdulai

[GUINÉE-BISSAU] (Catió, 1958). Ingénieur électronicien. Cofondateur de la première maison d'édition privée Ku Si Mon et de la revue littéraire Tcholona, en 1994.
Romancier (Eterna Paixão, 1994 ; L’Ultime tragédie, 1995 ; Mistida, 1997, etc.). Considéré comme le premier roman guinéen Eterna Paixão traite de la transition de la société guinéenne, du passage des structures coloniales à l’installation d’une nouvelle élite issue de la lutte pour l’indépendance.
L’Ultime tragédie revient sur la période coloniale à travers le personnage d’une femme, Ndani, dont on dit qu’elle porte malheur.ANTHOLOGIES / REVUES : « Un monde si différent » (extrait de L’Ultime tragédie, 1995), traduit par Alain Canihac et Grazeiella Neves Forte Canihac, dans Des nouvelles du Portugal, Métailié, 2000.
— L’Ultime tragédie (A Última Tragédia, 1995), roman, traduit du portugais par Alain Canihac et Graziella Neves Forte Canihac. [Paris], Éditions Sépia, « Sépia-Poche », 1996, 224 pages, 7 €
Em Lisboa pode-se achar os livros de Abdulai Silá em Livraria Mabooki ou Instituto Camões.

1 comentário:

Fernanda Angius disse...

Fico feliz com esta adaptação ao teatro de uma obra importante da literatura guineense.
PARABÉNS, ABDULAI! cOMO SERÁ BOM VOLTAR A CONTACTAR-TE.
Desejo o maior êxito à encenadora da peça.

De facto, Abdulai Sila inaugura o romance na literatura da Guiné, do mesmo modo que funda as primeiras editoriais privadas e se lhe devem, ainda, a publicação da primeira revista literária naquele país de língua oficial portuguesa. Mas o que me impressiona mais em Abdulai Sila é a sua activa participação no mundo das letras, ele que estudou engenharia e electrónica na Alemanha. Tive oportunidade de o interrogar sobre as influências literárias que poderia ter recebido das leituras feitas. Lendo a correcção impecável do seu português, ouvindo-o argumentar como um filósofo, a minha admiração cresceu quando o conheci pessoalmente e pude avaliar a sua extrema simplicidade em que uma nota de distinção se impunha, tal como a preocupação pelo seu país. Almoçámos juntos, em França, depois de muitos emails de comunicação literária, eu em Moçambique, ele na Guiné. Confessou-me que nenhumas leituras tinham tido peso na sua literatura. E eu continuo surpreendida como o engenheiro e electrónico se aventura com tanta agilidade pelo difícil campo das letras num país sem autores nem editores e, o que é muito mais grave, sem público assegurado, num país onde as armas e a desordem, a corrupção e a luta pelo poder não deixavam muito espaço para a literatura nos anos 80/90. De facto, Abdulai Sila, Odete Semedo e outro poeta cujo nome a minha afasia para os nomes não deixa, agora, citar (mas que todos sabem quem é e eu também admiro...) são a comprovação do que Lobo Antunes escrevia há poucas semanas atrás na revista "Visão"e que eu tento parafrasear agora: "a verdadeira ficção anda entre nós, todos os dia; é a vida que nos está em torno que é a verdadeira ficção; os escritores criam a verdade da escrita". Como ele, eu sinto que há mais verdade no sonho de amor que as narrativas de Abdulai Silá emprestam às suas personagens (e lhes fornece o grau de coragem com que enfrentam "as montanhas de lixo" que invadem as ruas da cidade e impedem a livre circulação e a sadia respiração dos cidadãos da Guiné dos anos 90), do que em todos os noticiários e reportagens feitas na Guiné naqueles anos.
Mistida é mais do que um livro, é o retato psíquico de um povo e nessa retrato estão presentes e registados para sempre, os momentos reais da História de um povo.
Gostava de deixar aqui um testemunho da presença, única, de Abdulai Sila como representante das literaturas africanas lusófonas, em 2001 (se a memória me não falha),numa cidade francesa onde se realizava um Encontro Internacional de Escritores africanos francófonos, anglófanos e lusófonos. Pasme-se: Abdulai Sila era o único autor lusófono presente, entre algumas dezenas de autores de língua francesa e inglesa. Devo confessar o meu choque. Quando, no final, interroguei um dos escritores (admirador da lusofonia e conhecedor da língua portuguesa)organizador do Encontro, sobre esta ausência dos escritores de Angola, Moçambique e Cabo Verde ele respondeu que os convites tinham ficado sem resposta e que também ele se admirava. O facto dos romances de Abdulai Sila se encontrarem traduzidos em francês tornarão o escritor guineense francófone?... deixo a questão em aberto e gostaria que o próprio Abdulai pudesse entrar nesta polémica que deveria interessar todos os lusitanistas.
Fernanda Angius