"Um conto cheio de articulacão de pensamento
e da moral tradicional em conflito com a modernidade.
Um diálogo entre as duas sociedades que se entrecruzam
na resguarda dos valores civilizacionais"
Adão Quadé
Editor de Djambadon
DJUADÉ - MININU Dl KRIAÇON (conto)
Numa longínqua aldeia da Região de Bafatá, Leste da Guiné, vivia um rapazinho, localmente conhecido por Djuadé.
Tinha 12 anos, quando eu o conheci. Era alto, franzino e muito inteligente.
Á primeira vista, logo me simpatizei com ele, pois me impressionou a lucidez das suas ideias, a clareza do seu juízo, seu indiscritível gosto pelo saber e, particularmente, o seu espectacular dom pelas letras. É, realmente, um menino com um aguçado senso de inteligência. Distinguia-se sempre entre os seus pares, a ponto de ser apelidado com o nome de ustaju sakr (do árabe, o pequeno professor) nas aulas coránicas que algures frequentava.
- Djuadé, podias-me falar um pouco da tua vida ? - propus eu, veladamente.
- Porquê? Isso terá algum interesse para ti ? - quis ele saber.
- Sim, é uma questão de curiosidade. Entretanto, se ser-te-á incómodo, eu dispenso tudo - confessei.
- Não. Não - respondeu ele, prontamente. Chamo-me Alansó (da nossa língua, "Deus, acuda-me"). Sou órfão de pai, desde os tenros 4 anos. Portanto, tive a mágoa de crescer sem calor paternal. Minha mãe, coitada, sofreu muito durante largos anos da sua vida. Sou quinto filho dela. E, neste momento, o mais velho...
- Como assim ? - interrompi eu.
- Porque - recomeçou ele - à medida que a mamã dava luz, perdia os filhos, isto é, morriam. Não havia na da Terra porta do djambacus, muru ou iran que ela não pisasse, de tanto querer afastar de si o maldito dimónio que a levava os filhos. Mamã fechou no fundo da mala todas as suas bonitas garanbubas, complés, esperas e conosabas e passava a vestir-se de farrapos, levando uma vida de palhaça. Arranjou um esqueleto da mão de vaca, o qual considerava seu filho, que sempre levava nas costas ou ao colo e a quem deu o nome de Alanso, daí veio o meu nome. Mamãe dançava de porta à porta, contra oferta de qualquer coisa insignificante. Servia comida que lhe davam no canto do sujo pano que trajava. Tal era horrível o estado em que se encontrava até que o povo da tabanca a alcunhava de "Duo" (da nossa lingua, abutre)...
- Porque a tua mãe levava essa vida tão nojenta quanto indigna ?
- novamente, interrompi-lhe a descrição.
- Porque - retomou ele - um Djambacus a recomendava tal comportamento, pois, segundo ele, dessa ingenuidade e tolice jorra criatura.
Um dia, continuou ainda o Djuadé, chegou à nossa tabanca uma velha de nome BÉLON, a qual se compadeceu com o estado da mamãe e a recomendou que consultasse um poderoso iran beafada, numa localidade na Região de Quinara, sul da Guiné. A mamã logo se arranjou e viajou para Kubissecu.Volvidos não muito tempo, ela esperava dentro de breve mais uma criança. A notícia rápidamente se propagou por toda a zona. Até que, finalmente, numa tarde poerenta, sem sol, com céu nublado e gaivotas cantando ao som dos tombores no bantabá, a mamãe deu à luz um menino, dando-o o nome de Djuadé, por ser este nome do grande iran de Kubissecu.
Portanto, estás a falar agora do teu nascimento ? - perguntei eu ao Djuadé.
Sim - respondeu ele, curto.
Logo, apôs a morte do meu pai - continuou o meu interlocutor - este homem grande tomou-me em criação. (Apontou para um velho nonagenário que mais tarde mais tarde soube chamar-me Tauntéu).
- E como tem sido a tua vida aqui ? - perguntei, extasiado de emoção
- Tem sido uma sucessão de tragédias - respondeu ele, firme e pausadamente.
Na realidade, o Djaudé ou Alanso (como querem) não tinha tido sossego desde que chegou àquela morança.
Diariamente, de madrugada ao pôr-de-sol ia vigiar os animais daninhos (nos m'pampans) e os pássaros (nas bolanhas). Era ele que também cuidava do gado do velho. Abastecia a morança de lenha para a cozinha e fogueira, à volta da qual, às noites, cantavam as estórias de lubu ku lebre, depois das leituras coránicas no caranta[1]. Era sempre submetido aos trabalhos duros e dificiéis que não coadunavam com a sua idade. Ainda tão novinho que era, queixava-se da dôr espinhal, pois, segundo as suas palavras, durante o trabalho no mpampam, o velho Tauntéu sentava-se debaixo de árvores frondosas, com pedrinhas à volta, atirando-as a quem se atrevia se erguer, para descansar. Por isso, tinha que continuar de cócoras para evitar que o arremessasse pedras. Que crueldade! Que malvadez! Nunca tinha tempo para se arranjar como os colegas de idade. Mesmo nos dias festivos (Ramdão, Tabasky ou Novo Ano), aí estava ele a caminho do mato, enquanto os seus colegas ostentavam os últimos modelos de sapatilha "canfaz" ou plástico "krintim". De tanto ficar sempre na floresta, acabou podendo distinguir os cantos de todas as aves.
- Djuadé ! - gritava-o o velho num tom ameaçador - sabes que se não trouxeres aqui mais três feixes de lenha não tens direito à refeição ?
- Tio, já é noite e estou morto de fadiga - murmurava ele.
Ficava sempre à margem de tudo o que os colegas faziam.
Não sabia jogar futebol, muito menos sabia o que era filme de Konan. Não tinha coragem de frasear raparigas durante as noites de luar no bantaba[2].
Sempre que tentava o fazer, punha todo o peso do corpo em cima dos pés, tremia como vara verde e a voz dançava como os rapeiros.
Era nesse ambiente angustiante que crescia o inteligente Djuadé.
Caracterizado por uma indiscritivel vontade de saber, Djuadé invejava seus colegas que iam à escola. Por isso, sem se poder conter, confidenciou um primo da sua mãe, de nome Sulá, sobre o assunto, embora estivesse consciente que se o velho Tauntéu soubesse dessa intenção, o cavalo marinho cairia nas suas costas.
Sulá ficou pasmado, ao descobrir que o Djuadé não andava na escola, apesar dos seus já 14 anos ! Resolveu, nesse mesmo dia, transportá-lo, de bicicleta, para a tabanca de Meru, onde residia o professor Findam e ali o matriculou.
Quando o velho Tauntéu soube do sucedido, preparou-se para uma guerra mortal contra o Sulá, afiando, meticulosamente, machados, catanas e facas e aguardava que este surgisse a qualquer instante, acusando-o de querer desviar-lhe o menino.
- Ele quer que o Djuadé seja tchamidur e que se escape das minhas garras, Isso jamais vou tolerar, mesmo custando minha vida - ralhava ele perto do dábá[3] por onde o Sulá passava para o serviço.
Entretanto, em virtude da sua capacidade natural e inteligência genuína Djuadé muito cedo terminou o ensino básico. Com a ajuda do professor. Findam, ele prosseguiu os estudos liceais em Bissau.
Passados quase 10 anos, soube que Djuadé beneficiou-se de uma bolsa de estudos, tendo frequentado uma das renomadas e prestigiadas universidedes francesas ( a Sorbone).
Surpreendentemente, num dia desses, encontrei uma nota manuscrita na porta do meu gabinete de trabalho, com os seguintes dizeres: " O Dr. Djuadé convida-o a almoçar com ele neste fim de semana".
Lida a nota, fiquei embriagado de alegria. Meus senhores, não tenho palavras para descrever o momento do meu reencontro com o lentão miserável Djuadé, que hoje tornou-se num dos economistas de referência, quer a nivel interno, quer subregional. Ele casou-se e esperava brevemente ter um bebé a quem, independentemente do sexo, dará o nome de SABARÓ (preseverança), mas que lugar nenhum iria à criação.
Após o almoço, no momento de nos despedir, Djuadé segredou-me:- Meu amigo, o curso da minha vida provou que de facto, "enquanto há vida, há esperança" e "a perseverança é a melhor amiga do Homem". Agora só me resta uma meta a cumprir: tornar a minha pobre maezinha a velha mais feliz do planeta, fazendo-a esquecer dos muitos dissabores que teve na vida.
FIMAnsumane Sanha
Moscovo, 2003
In”Djumbai di no Terra”
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[1] Lugar, geralmente situado no centro da morança, iluminado pelas chamas, onde se leccionam as aulas coránicas[2] Sítio de diversão popular, nas tabancas
[3] Entrada principal para morança
sexta-feira, dezembro 23, 2005
Contos de Ansumane Sanhá
Publicada por Ndongle Akudeta à(s) sexta-feira, dezembro 23, 2005
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