segunda-feira, dezembro 26, 2005

A Guiné-Bissau e sua prosa ficcional

Moema Parente Augel

Na Guiné-Bissau, país de história recente em vias de grandes transformações sociais, a sua incipiente literatura reflete tanto esse jovem passado e os caminhos da emancipação como o estado emocional dos guineenses ante a decepção causada pelo que se considera a traição dos ideais revolucionários por parte dos dirigentes. A produção literária contemporânea faz eco, na sua variedade, aos anseios e às preocupações da elite intelectual urbana, inconformada com a situação política e social do momento presente. Assim, dada a quase inexistência de fontes escritas de informação, travar conhecimento com as obras que aí se estão produzindo desde a independência é uma das melhores maneiras de compreender e apreender este pequeno enclave de língua oficial portuguesa, de cerca de 36.000 km2, no meio da costa ocidental africana.
Com seus três romances (Eterna paixão, A última tragédia e Mistida), Abdulai Sila, que é o fundador da ficção guineense, não se restringe à simples constatação do desastre em que resultou a libertação do jugo colonialista, nem se detém apenas no desfiamento das mazelas que cobrem o povo guineense: vai procurar os responsáveis e os denuncia, direta ou indiretamente. Filinto de Barros, com seu único romance Kikia Matcho, desenvolve, a seu modo, paralelamente à trama romanesca, um amplo esquema de explicação para basear suas críticas e sua análise do momento por que passava seu país. Também ele levanta a voz e denuncia, põe o dedo nas feridas abertas pelos seus próprios correligionários1.
Os recentes acontecimentos na Guiné-Bissau, que culminaram com o desencadeamento da guerra fratricida que por mais de um ano (mais exatamente de 7 de junho de 1998 a 7 de maio de 1999) tumultuou e desarticulou o país, estão contribuindo para que o discurso oficial hegemônico se esvazie e perca a sua aura, reiterando de forma dramática a triste atualidade da urgência de uma reinterpretação da História guineense.

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