quarta-feira, abril 26, 2006

Manuel da Costa* e o "Olhar de Mulher"


Por: Homem de Olveira Carvalho

Olhar de Mulher uma miscelânea de poemas sobre a mulher sobretudo africana dedicada especialmente sobre mulheres guineenses e angolanas num trabalho oficioso celado pelas mãos sublimes do guinense Manuel da Costa e do angolano Mário António Ernesto, sob chancela da editora Contra-Regra (2001).

Olhar de Mulher é uma obra para ler e deleitar-se, feita numa simbiose do útil e do agradável cuja a estrutura sequencial dos poemas é aleatório,do ponto de vista temático e dos autores que o compõem, de forma a deixar o leitor a usufruir de todosos condimentos e indumentárias que requintam o universo feminino, objecto da sedução e do amor, da adoração e da contemplação que leva o sujeito a cantar e a deixar-se encantar testemunhando a sua cumplicidade e o desafogo interior sem se deixar de exteriorizar o devaneio e o pesadelo causado pela louca sedução que a irresistível paixão tenha gravada no seu pensamento.
No poema que constituiu o títilo ao livro - "Olhar de Mulher" (MC), temos um eu poético embrenhado num lirismo perfeito em que na 1º pessoa testemunha a sua admiração, o seu respeito e conivência na efabulação do objecto precioso que é mulher - companheira amiga - medida numa balança cujos eixos declivagens oscilam enteo amor perpeito e ideal; amor físico e espritual; A beleza e a inteligência da mulher como objecto de crítica, de contemplação, companheira de luta e de vida.

Homem de Olveira Carvalho

Olhar de Mulher

Sedutor
poderoso
quando pisca e corteja
hipnotiza

Vencedor
quando irradia
faz melodia

de bem -fazer
quando energiza
diviniza

Casa sem mulher
casa não
homem sem mulher
homem vão

Dia sem mulher
dia sombrio
mundo sem mulher
mundo sem pio

Cultura sem mulher
cultura vadia
terra sem mulher
terra vazia

Olhar de mulher
olhar de emoções
entre prazeres e paixões
seduzir e convencer

Faz homem viver
regenera e cria
faz vida ser
mãe que tudo afilia

Olhar de mulher
olhar para acreditar
ver para querer
viver para amar

Manuel da Costa
Casal da Serra, 22 de Setembro de 2006



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*Manuel da Costa
(poeta, engenheiro agrónomo e oficial do Exército)

Nasceu a 6 de Maio de 1965 na Guiné-Bissau.
Em 1983 ingressou nas fileiras da JAAC( Juventude Africana Amílcar Cabral).
Trabalhou no Ministério de Informação e Telecomunicações.

Publicou poesias, prosas e contos nas revistas das Forças Armadas Portuguesas, O Voador e o Jornal do Exército. Em Agosto de 2000 encetou colaboração com o jornal Público. A partir de 1993 publicou artigos de opinião de natureza política nos jornais Nô Pintcha e Correio da Guiné-Bissau.
No mesmo ano, publicou em Bissau dois livros, um de poesia, intitulado A Nossa Mudança, e outro de contos, “A Força de Vontade”.Publicou Olhar de Mulher juntamente com Mário António Ernesto.
Terminou o Curso de Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa.

sábado, abril 15, 2006

Tuada di djambadon


Boka moladu pa simola moskia-moskiadu
paki liti korta fala ku siti
gardisimenti malbensidu
rabata-rabata faimadu ba dja

kiston di fia i un negosio di mampasada
mama mainadu
kil ku djuntadu na armondadi
padasia-padasiadu garan garan

kinhon ki di povu sabodja-sobojadu aula-ula
'ma amanha falsia disna di ontordia
na djunda-djunda di aonti ku aos

na moransa di djitu-ka-tem kau kala iem
udju rabata tuada di djambadon
oredja na tchebeta mukur mukur
kinoba ku kamba boka distranha

*****

Kerensa
















Na brinkadera di "toca-foge"
n' dau bu ka tornan
alin sikidu tras di kasa
bin pa n' kudjiu - nha obu di tchoca!
mentu pa es dinoti tchuba kai
no mbala na tchikini-tchikini
asin amanha pata di ladron
ta bin sintidu na San Djon
na kaminhu ku manhoka farfari -
seja son pa n ka kai tchai

n' ta n'uliu pardeus suma
badjudesa di nha mame -
nha Koni di gan Kamara
"Os di bon mesa
na muntudo di koitadi"
-ai lisbueta na bnhale!

Amanha sin bai pista mantchadu
pa iran-segu ka bin burfan
mpina kabesa na balai
iurumbudura pul aparti
arrus limpu - bu kuku di udju
liti durmidu di baka k'n bakia
anti di bu pape mara kasamenti...

Djidji si i ten pa rii
tchia si kosau sarna
mara pitu si iardiu korson
si i mabo kabesa tofodja lens
si i ka mpatchau purtchi
si i ka melau bejan na boka
ma nha nomi ka deus nganau!

Amanha si nha obu intchi kalsa
nta mandurga ku mburta di kabás
kum di tudu koldadis di kana
wiski vodka ku kola suma mansa
pa n diklarau pa m pembiu na nha ragás

18:40 29-06-2003
Ndongle Akudeta
In Sombra di Lakakon

Kil bu djindjirba



16.05.01 - 24.06.01

kil bu djindjirba
ku ta fasin
fidi-lifanti
na nheme karus

bu kalkanhada
po di findi
i mantchadu
di patchi nha korson
na pedra di kunfentu


kil bu udju
mar di liti
ki n ta mbugudja nha siti

kontan
si n ka mersi
djamu bu tadju
nha djidiundadi
ta bai nkanta
fundu di mar


Ndongle Akudeta

quinta-feira, abril 13, 2006

Ela está triste



ela está triste
sei-o de cor


o meu coração
sabe ler o odor
de um sentimento

dilacerado
ao além do portão

e tão loucamente
então
me disse

o amor

resiste
perante um sonho


resignado!


Lisboa, 30.12.03
Adão Quadé

Uirtute


a vida é perfume sem cor
cheiro em ciúmes com o odor
construir castelo na areia da praia
é sol de pouca dura

primavera ainda não conseguiu vencer o inverno
estamos a alimentar o tubarão
na agua onde nadamos
que um dia há-de nos engolir a todos

cá por este lado há harmonia
estou on-line nesta nave do transcendente
o espaço é espaçoso para negociar a paz
vê-se nesta nave cores de todo o mundo
a bola afinal é redonda por aparência
dá ânsia de poupar aqui urnas aqui atrás
onde pausadamente o corpo se jaz

fio da alma atada em nós de bamba apodrecida
sarampo no meio da neve é adiar o esquiar
e o inverno toma textura da sua própria manta
arrepia o sol a lua acende a lanterna
vagueia na nuvem rebanho de carneiros
aquela escada equinocial ares amotinados
regressam alegremente enlutados de branco
da fúnebre missa do tempo sepultado sem campa

evocamos o requiem para o repouso dos infiéis
pois abastados os famintos - farinha do mesmo saco
cabemos todos na Arca da despersonalização
absorvida em alameda de flores ...

tenho agora uma nova atitude para com a comunidade
um recipiente onde não cabem todas as virtudes
sou rebelde não por natureza mas ante a sociedade
carrego a bandeira com cores contra tudo
até à lassitude que opera nas entranhas da juventude


3:25 20-02-2003

quarta-feira, abril 05, 2006

Indicador furtivo


o meu indicador
é furtivo e destro
como que uma faca
balanta

quando se levanta
é deveras
um bom atirador

ao alvo nunca falha
esta minha navalha
herdada de tantas batalhas

e vou ao combate
na escuridão
entrincheirada

na gruta da palavra
grávida

sem nenhuma
espingarda

na linha
da vanguarda...

e me clamam: vate!

NOMI DE KASA




Jorge Ampa*
(Guiné-Bissau)

Já que a cultura é um domínio vasto, não admira tratarmos deste tema assinalado em epígrafe. Contudo, a sua dissertação, embora feita a correr perante outros tantos problemas culturais a resolver, não seria hoje possível sem a feliz estada do prof. Dr. Hildo Honório do Couto, lingüista, por Bissau em outubro/90 no quadro da sua já tradicional deslocação à Guiné-Bissau e comunicações no mesmo país desde há uns anos.

Na Guiné-Bissau, nome di cassa (ou nome de cassa, nome de kassa, nomi di kasa, tendo um conta a ortografia ainda existente), é uma apelidação dada à criança enquanto pequena. Mas à medida que cresce, a situação evolui depois para várias direções.
a) Ou perde o nome logo após a fase de bebé: "bébé"; "bébézinho" ou "nené" (nenezinho, etc.). Portanto, o nomi di cassa (n.c.) fica na infância da pessoa.
b) Ou acompanha o miúdo nas suas andanças de menino "bulidur", "manso", etc., podendo ou não ultrapassar esta fase. Por conseguinte, em alguns casos permanece crescendo com o indivíduo, pelo que pode ultrapassar ou conhecer, sucessivamente, as seguintes faixas etárias de:
- infâcia
- adolescência
- juventude
- adulto
Enfim, sobre este capítulo, por razões de tempo, não nos é possível agora discernir minuciosamente a presente temática em termos de mais pormenores. Mas podemos avançar o seguinte:
O n.c. é usado tanto no contexto familiar como no comunitário. Porém, pode atingir um espaço cultural enorme, isto é, maior do que o anterior como espaço da criança em referência. Consoante a evolução, o n.c. pode distar muito dessa origem, atingindo a escala nacional e internacional.
O n.c. tanto pode ser derivado de um dos nomes próprios do baptismo (católico, islâmico) da pessoa, como ter certas origens, a saber:
- Temporal (por exemplo: "Média", que significa Meio-Dia), e
- Circunstancial (ou de cariz histórico, social, político e sociocultural, mágico-religioso, comportando carga de ditos populares, indicadores ou marcos culturais) de uma dada comunidade num dado momento histórico dessa mesma comunidade ou sociedade.
Por tudo o que foi dito até aqui, limitamo-nos apenas a trazer à memória alguns nomes de cassa bastante conhecidos e usados na Guiné-Bissau:

- Média, Murido, Negado, N'dingui, Bai-Fas (ou Faxi:Vai-Depressa). Abó-que-bim (tu é que vieste ou voltaste de novo, reencarnação: quando a mãe perde filhos...), Hóspri (hóspede - idem de N'dingui, Abó-que-Bim), Djédje, Djédjé ou Djódje (de Jorge, por exemplo), Du, Dudu, Didi, Pipi (de Pedro), Zé, Zézé, Zézinho, Quim, Quim-Quim, Quinzinho, Liisinho (de Luís), Tó, Toy, Tony (de Antônio), Fico (de Francisco), Chico (de Francisco), Meno (de Filomeno), Filó (de Filomena), Tuya (origem caboverdiana), Nelo (de Agnelo), Né ou Neya (de Inês), Ova (de Osvaldo), Nino, Nónó, N'cudji (eu achei: encarnação), Bim-Par-Bai (vir e pronto para partir - encarnação), Bedja (Velha), Bedjo, Nobo (Novo), Mica(s), Neco, Necas, Lalau (Ladislau), Mando (Armando), Nando (Fernando), Nanda, Nandinha (Fernanda), Manecas, Filas, Gundas, Duco, Fico, Djon, Djon-Djon, Jó, Juca-Pires, Tchom-Tchom, Feia, etc.
Mas a situação complica-se em dado momento para o indivíduo, já que é um ser eminentemente social ou "zoon politikon". É dizer, falar de nomi di cassa, em termos de reflexão, na Guiné-Bissau, tem que se falar obrigatoriamente, aliás, obviamente, de alcunhas, ou seja, nomi di toroça, (troça). Acerca deste assunto de "alcunhas" e "apelidos", ver o trabalho do Dr. Hildo Honório do Couto, "Os apelidos do Cláudio" (in: Humanidades n. 11, 1987/8, p. 65-70).
Existem, pois, na Guiné-Bissau, nomi di cassa, nomi de toroça, nomi de manjuandadi ou colegação (certos grupos restritos auto-organizados com base na faixa etária, sem discriminação de sexo). Um fenômeno curioso: embora aconteçam em menor escala, há casos de herança de nomi di toroça. Aqui é que a situação se torna complicada e embaraçosa para a pessoa alvejada: o n.t. passa automaticamente (não por via biológica, matrimonial ou baptismal, em termos oficiais ou tradicionalmente e oficialmente reconhecidos) de pai para filho ou de irmão mais velho para irmão mais novo. Esta investidura é, de facto, "violenta" psicologicamente, porquanto tenta às vezes (se não na maioria dos casos) atingir a pessoa, pois é uma investidura decidida, por um lado, da parte dos colegas de "detentor(es)" do nomi de toroça, e, por outro lado, da parte dos colegas "empossados". Na Guiné-Bissau, esses nomes ainda hoje ferem bastante a susceptibilidade dessas pessoas:
TÊM QUE SER USADOS SÓ POR COLEGAS OU AMIGOS ÍNTIMOS E EM LOCAL RESTRITO ("privadamente privado").
Esses nomes quase que assumiram conotação ou ligação histórica e eterna (carne e osso) e com essas pessoas ainda vivas no país, e em Bissau.
Mas, para ter uma idéia, eis alguns nomes de toroça de carácter genérico, bastanto abstracto e muito longe dos nomes de toroça já encarnados: Secu-Secu (Magricela), Cumprido (Alto, Comprido), Pó-Ferro (Pau-Ferro), Badjungo-Fero, Rapá-Garandi (Rapaz Grande). Há ainda os nomes indirectos e impessoais: Manga-Fulano, Estin, Dona-Cassa, Noiba-Nobu, etc.
A nossa situação e instinto de observação impelem-nos a avançar estes dados provisórios até a confirmação da estatística real, na Guiné-Bissau:
- Percentagem aproximada de nome di cassa (já agora, dando boléia ou "carona" aos nomes di toroça, mandjuandadi, etc.), a nosso ver, é de:
- Falantes de português-crioulo ................... 70%
- Falantes de crioulo .................................... 75% a 80%
- Falantes de línguas étnicas:
a) islamizadas e animistas: manjacos, mancanhas, papéis, fulas, mandingas, beafadas, etc: 50%; b) balantas ............................................. 100%
(Entre estes últimos cada nome é um nomi di cassa e é um dito ou adágio).
Resumindo e começando a conclusão (em vez de "concluindo"), pode-se afirmar que, na Guiné-Bissau, cada pessoa enquadrada neste esforço de reflexão, e talvez mesmo aquelas que ficaram fora das porcentagens, têm em média 2 ou 3 nomes. O nome oficial é quase inexpressivo, isto é, não de utilidade diária. Apenas em atos oficiais, solenes ou de "prisão perpétua" do dedo que recebe o anel ..... COITADINHO(S).
Pois é, há casos de indivíduos contendo até mais de ma dúzia de nomes.
Outro fenômeno curioso: os n.t. podem, quando manipulada a mentalidade do meio pela pessoa visada, ser transformados em nome di ronco (nome de exibição, de glória, de identidade, de afirmação social, máscula, etc., etc.). Há locais e circunstâncias que também dão nomes. Podemos encurtar ou "adquirir" (querendo ou não) nomes:
- Na escola
- Nas atividades lúdicas (desporto, natação, etc.)
- Nas atividades de lazar (comemorações, festas, etc.)
Na Guiné-Bissau existem personalidades famosas que têm n.c. Aliás, conservaram o n.c. Ou, ainda melhor, o espaço cultural, a comunidade, o(s) bairro(s) e a sociedade inteira (a nível da afirmação velada no subconsciente coletivo nacional) passou, portanto, a exigir. É taxativo!!! Senão a pessoa "perde-se". A gente não sabe.
Enfim, finalizemos o nome di cassa com algumas personalidades importantes do meu país (Guiné-Bissau) e também de outros;
Nino Vieira (João Bernardo Vieira - Presidente da República)
Thico Té (Francisco Mendes)
Ova (Osvaldo Vieira)
Abel Djassi (nome de guerra de Amílcar Cabral).
Ah! Não esqueçamos que alguns nomes têm que ser pronunciados em bloco: Victor Saúde Maria ou Victor Freire Monteiro.
___________________
*O autor é jornalista, escritor e investigador do INDE (Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação).

Galissá o MESTRE DO KORA



sábado, abril 01, 2006

CONVERSA AMENA


(CONTO)

Manuel Pedro Pereira, Jr."Djombodikilin"

Era uma vez …
Era uma vez na rua Porto travou-se uma conversa amena entre a mãe e o filho.
– Bem! Será que tu pensas? – perguntou a mãe ao filho de seis aninhos.
– Claro que penso? – respondeu o filho
– Mas o que é que tu pensas? – indagou a mãe curiosa para partilhar do pensamento do filho
– Penso se amanhecerei vivo e, ou se haverá de comer – respondeu o filho sem muito meditar.

Realmente o menino pensa. Que brilhante pensamento de uma crança de seis aninhos de idade. Este é dos primitivos racciocínios do Homem e nem toda a criança assim pensa.

Na sequência do dito diálogo deprendia-se o seguinte, aliás é a vez do filho questionar a mamãe.

– Mas mãe, porque é que tu sempre me pressiones a ir à escola? Será que na escola dão a gente sacos de arroz ou dinheiro? – perguntou o filho à mãe.
– Sim, tu não sabes disso? – respondeu a mãe interrogando.
– Não. Não sei.
– Na escola te dão tudo. Saco de arroz, dinheiro, bom trabalho, mulher, carro. Mas tudo mesmo.
– Mamãe! Mas tu não andaste na escola. E, então como é que de tudo isso sabes? – interrogou o pequeno – Eu não vi ningém que da escola recebeu arroz e dinheiro – continuou ele.
– Olha se andares na escola vais ser doutor, engenheiro ou especialista. Sendo um formado vais ter um bom emprego, uma casa linda, carros, mulher amada e filhos, resumindo vais ter um boa vida.

A puéril questão como de tudo isso sabes se na escola não andaste, encheu o olhar da Dona Tite de lágrimas.

– Sim, não andei na escola. – deu uma pausa, contendo as gotas que temem a chover do céu dos olhos p’ra depois continuar. – É uma longa e dolorosa estória. Olha o meu pai andou na escola, ele fez a quarta classe colonial, foi lavrador, carpinteiro, foi uma pessoa de bem naquela altura. Através dos familiares sabiávamos que tínhamos uma conta que não se sabe-se o paradeiro no banco. Éramos quatro duas fémeas e dois machos das duas mães amigas e «kumbosas» [1]. Cada mulher um filho e uma filha.
Já muito doente o papai deixou ou indicações ou testamento que filho p’ra que familiar deve ir na «kriason» [2].
Eu calhei–me à um familiar paterno à uma tia que mandava na escola os filhos dela e meus irmãos de criação por estes terem os pais vivos e, entretanto a mim reservava os afazéres domésticos. Supliquei–a que também queria andar na escola mas em vão. Dentre outras as minhas duras e puéris tarefas quotidianas se resumiam a cozinha, a costura, e «bida» [3] para ajudar com a mão em casa. Insónias, maltratos. Primeiro a acordar começando o dia com varrer, passar pano no chão, limpar e arrumar e, último a dormir depois de estender a cama, descer a tenda e apagar os candeiros. Lembro–me de episódios tristes como por exemplo de estar de pé quando almoçavam a mestra e o marido dele quer dizer era eu o último a almoçar. Assim como de muitas vezes que se esquecia de tirar a bácia de cama em mim é vazado o chichi alí contido.
Nem o meu cão desejo ver no criação. Por isso estude, trabalhe e progrida. Tudo faço e farei p’ra o teu bem – beijou o filho na testa e demoradamente abraçou–o.

FIM

Moscovo, Quarta-Feira, 22.02.2006 13h


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[1] Kumbosas – rivais, as mulheres de um homem
[2] Kriason – criação: educar criança alheia
[3] bida – vida, vendas; fazer bida – vender, fazer negócio


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FRASE & REFLEXAO

«Bida pa bida – negócio é negócio»
Guilhermina Da Silva

Manuel Pedro Pereira, Jr.
(Djombodikilin)
Moscovo, Quarta-Feira, 25.02.2006, 20 horas