domingo, abril 23, 2023

Karnaval e outros poemas de Adão Quadé



Maskradu
suma katcher
ku ntola na lama
di Pindjiguiti

n bisti kuru
di lagartu bedju
kaskabelu na pitu
korson na manda lata
kuma « ntrudu
n kunsi bu dunu »

n modja tchopot
suma kufu di sal
n medi sai fora
pa borgonha
ka tisinan dinti

n miti bulanha
piskabalu puntan i ke
- Kon ku nghunhi seu...

Karnaval rapasa
ku mon-di-timba
karna ndjuti val
kuma dapi di modja garganti...
ku fadi pa darma Nimba

n magina bu tadju
na latchi kurpu
na badju di Kumpo
suma Ndjimpol

n lembra Kamatchol
ku ta gasidjan po di kurpu
na badju di nalu

ma aos Iangiang
ku ten banu
padiru di kuarti
ku na midi kaparu
ku nha testa di bodi

n tchora banda
ku nha dona tisin
n tchoma Koni i lundju!

Carnaval em Bissau
2005-02-07
Adão Quadé









N Sta li n sta la

n sta li n sta la
sintidu nkotchadu
turbada di friu
kondjelan pitu
na tirina di sol

pitu forti badau
suma limon di tor

bokera nkurbadu
na pidi kopu di kana
kuma bedju di otranu
te tchuba di paranu

djambatutu kanta
kontrada di no kerensa
tok' i roku i kai moku

ma distinu nteres tatch
ndjita bedju bu bin nenin patch

Adão Quadé
00:05 17.01.05



No Museu do Coração 



Estou encharcado aqui neste pântano
condenado ao afogamento pelo destino fatal
coração dilacerado em corte visceral
sonho distante corpo separado da alma
não por vanglória razão desfraldada
sorrio e no ar ofusca-se o ébano

e canto em voz alta a testemunhar
o silêncio do rouxinol no pinheiro
cheiro à náusea de tanto palpitar
vou beber a água na fonte dos amores

em cada momento que olhando
ao espelho te perco de vista
e o peito recarrega-se da mancha
da tua flecha espetada certeira
à custa do fardo que o fado dita
no cerne da arvore da paixão

no museu do coração mumificado
a minha alma jaz em dinossauro
espero uma justa encarnação
esfinge com tronco de centauro

Adão Quadé
17.Janeiro.2005









O TEU OLHAR

Leio constantemente sem palavras
Inspiro-me no leito do teu olhar nebuloso
Distanciando-me no tempo sem querer vejo
Ilhas perdidas no oceano teu pentear em furacão

Antes do despertar a tua voz anima o espectáculo
no teatro idílico da minha vã existência

sereia em digressão meu coração coliseu
lotação esgotada eu sozinho na plateia
despedaço-me em mil vozes para te louvar -

«rio do tempo amorfo desaguando
sob a ponte maciça dos meus pés flutuante
deuses afogados no labirinto da eternidade
a morte crepúsculo da noite fim da vida
não podemos precipitar o percurso do mar»

alquebrado sou engolido pela chama chuviscante
da loucura indomável do teu silêncio no interlúdio
e espero ansioso pelo teu beijo assaz cor de djagatu
sarando a fenda no meu peito acutilado em caudal
e acordo repetindo com o mesmo tom liquefeito
do luzir do teu olhar apunhalante
o gesto draconiano da tua voz vulcânica
enlameando magmática o meu sonho etéreo


Adão Quadé
2005







Nha fala

À Lídia
à beira do rio

*
Nha fala i un dus pasu
Atantiku na diapason
Kuimbra neni bu tuada
Na un kurpu kebra-kebradu
Na un maranha di iran segu
Bu sirbi tas na barkafon
Di nha poetandadi

Bustu di kabral na iari-iari
Kuma tchon ka rakunsil
Suma kobra ku na ramenda
Djunki turpesa di mar
Bu latchi bu tadju di palmera padida
Malila bagana forsa
Pubis taranta didia uan bu serpentasku

Teju ku na lagua
Beju di maron di Djiba
Kur di bu djindjirba pe di ankol
Katabentu di ermankono
Na prantcha di sakor
Nha sunhu i kil un son son
Ma falan kuma
Liti ku basa ka ta djunki
Kabas di djamakosa

N sikidu na Pindjiguiti
N na panga foli
Pa maskotia bu suris
Na kalkanhada di pilikanu
Pa bua sai nkanta mundu
Ku bu garganti fonghol
Na palku nha sunhu
Alma-beafada
Reinu di ndoli

Ndongle Akudeta
23.03.05 - 18:00





Nas Profundezas da alma


Nas profundezas da alma
Um mar morto
Na mortalha de um pensar absorto
Repousa stressante um terramoto
No lençol prateado do calor e sal

Na massa cinzenta da lama
Na ternura de um corpo anzol
Currais e mangroves
Opõem-se em entraves

Não há travão no porão
Sonhar catapultado em trovão
Estrelas-do-mar fazem de âncoras
Para estancar o fluxo repudiante
Das ondas camuflando em cânforas

O sorriso das brisas escaldantes
No conluio da noite de lua cheia

Adão Quadé
02.06.05



Miragens


Escuto o gemido manso
Das águas a cair da encosta
Uma mulher vestida a rigor
Festeja o começo de um dia melhor

O frio acossando as pálpebras
Estancado no átrio da madrugada
A tua sombra jactante
Vulcaniza-se no repuxo

Meu pensar lânguido
Destorcido no patamar do apartar
Sol a esfregar o calcanhar
Na nuca da parede colorida -

Taco galopante de um tiquetaquear
Domando o tom da ânsia brotante
Ofusco-me na galeria do pasmar
E esculpo no azulejo o arco da tua fala

Onça abstida bêbeda do suor da ribeira
O teu reflexo ondulante no vespertino
Ninho de falcão na torre do castelo
Aconchego com o hino à ninfa cantadeira

Pedra de raio refrescante a almofadar
O pó do calor derretendo nos bastidores

04.04.05
Saldanha Residence




Menina do fim do Mundo

A menina do Fim do Mundo
De olhos castanhos e profundos
Gatos nas câncaras embriagados
Celebram em serenatas a tua beleza

Rouxinóis no pinheiro de madrugada
Cantam a nobreza da tua feição
A natureza te concebeu imitando
O carvão da lenha queimada em Geta
A escrita do teu corpo - meta da ficção

Andar senhorial seleccionando a terra
A sinfonia do teu calcanhar - a magia da tracção
A romper o ventre feraz do solo
- campas de ervas mortas
As minhocas veneram a tua moleza
Tchintchor na tribuna - seca era!

Menina do fim do mundo de olhos
Castanhos cântaros de água doce
Rendido em gleba brota em mim
Rosas vermelhas e em Fevereiro
Faço anos e acordo no teu jardim
Na esquina da rua catorze creio

Para que tu me acolhas no teu bouquet
Para que ao entardecer o aroma que murcha
Entre as corolas de malmequeres e jasmins
Espraie no teu sonho o limbo
Do meu suspirar vetusto
No SãoValentim ao longo da soirée

Adão Quadé
27.04.05


No Portal da Garganta

No portal da garganta
uma pedra pesada trancada
imito o canto de colibri
asas dos braços ansiando o deslocar

no convés de um som livre flutuante
flocos de chamas douradas em vómitos
ladeiam o fulgor indómito da madrugada

nas ramagens de um cajueiro
grasna impetuoso o suor do silêncio
destilado em água benta

lenços de orvalhadas estilhaçam
o espelho da cidade gravitante
o rosto grávido da noite hipertensa
esplendor mágico da tocha embriagada
na emancipação do teu corpo
descendente das veias arqueológicas

flexões do caranguejo no lamaçal
profanando a sepultura do jagudi
minha garganta ceptro colossal
do rei Quéops mumificado
no pódio da pirâmide do Egipto

02.06.05


Elegia a Papa Joao Paulo II


Na sombra do chamamento
voa íbis transversal
rouxinol
crucificado em lamentos

Cristo-Rei
imperador das Amazonas
África feita
colónia das procissões

Wojtila cultiva a terra sob o sol
e reza a profecia:
sede peregrino
ó Providência divina

a nós vinde
para que na terra....
pauis, savanas e searas
refresquem as nossas palpitações

enquanto
juncos trigos e gazelas
afinam as nossas
mundanas vocações...

Adão Quadé
2015



Sinceridade

a sinceridade máxima só morre
quando perdemos
a noção da integridade
espiritual

deito-me
sempre
em horizontal
e acordo em transversal

com tronco
pendurado na lua
com a conivência de um fio de cabelo
içado pela grua

Em cada noite perco
um centímetro no espaço
sonho a voar
com as asas do calcanhar

Adão Quadé
01.09.05


Sulco da Paixão 


O sulco
da paixão
elevado ao púlpito
do coração

desconcerta-se

apito da razão
arbitrária

torneio
da loucura
almas em procura

põe-se

a preço de vaca
sono
apunhalado
com uma faca

Adão Quadé
01.09.05




Tiraste do meu bolso
a sigilosa fórmula da paixão
peço-te amor o reembolso
com um ramo de rosa na caixão

ia compor-te mais esbelta
refinada com a cinza da brasa
já que te sentes na ribalta
o meu mistério não graça

exageras-te na química da beleza
tal o clone da musa idealizada
sinto o meu desejo quase realizado
e coroo-te no altar - Sua Alteza
e este meu fardo tara pesada
enfeitiça-se pela leveza

ah! Que coisa tão engraçada
ter sido roubado
por uma princesa

Adão Quadé
02.05
Tasca do Careca

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