terça-feira, março 21, 2006

Djambadon di Mandurgada


Ndongle Akudeta

alma ku bai seu fala mantenha
udju mburgudja na fonti
fiu di kabelu na djugudjugu
kankuran na disi pe di polon

fala ku malgosadu fidi lifanti
na kumbu di silensiu

Poesia mbosanta po di kurpu
sintidu djunki gargadjada
di flur di tautau
djamburere salta bantaba
sai ronkanta noti badjuda

kudadi dentru di mi
na kangaluta
korson na ndunsia
djambadon

tambur na un tuku mudu
pe na tchon
silensiu na tchebeta
badju di dun di matu

lambe mborka
mandrugada na badjanta kabas
palabra torna homi dun di si naris

alma ku bai nuben bias
fala mantenha

23.01.06 16:30

Ave Primavera


A.Quadé

hoje
pela manhã
qual amanhã
que tal ontem
já não me lembro

salve primavera!

na copa
de um pinheiro seco
festejo neste beco

com a vela do sol
aniversário
de um poema

imaginário
a (re)nascer

20.03.01 02:39

A LUTA


Vasco Cabral

a luta
é a minha
primavera


sinfonia de vida
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes

o cantar das pedras
e das rochas
o suor das estrelas!

a linha harmoniosa dum cisne!

Poemar*



Tony Tcheka

fui à escrita
poemar
um flirt com a poesia
uma paixão gerada em sílabas
prenhes de ternura

o corpo não cede ao fogo
resta a poesia
e sou mais eu em ti

no presságio a palavra
palavra, que lavra
em safras de ardoamor
apocalipse de corpos
em procissão de amor

no lusco-fusco do crepúsculo
me encontro
vejo o fogo
nascer do iceberg
do teu corpo-mármore

a poesia ocorre
em plasmas de amor
vem com o calor-vermelho
que invade o corpo em corpo
em cortinas de suor

e fleuma do teu corpo
libertando ternura sonegada
em suspiros de madrugada morena
que pétalas de feitiço-crioulo
acalentam em seivas de amor

*in Antologia Poética da Guiné-Bissau, Editorial Inquérito, Lisboa,1990

sexta-feira, março 17, 2006

A língua e os nomes na Guiné-Bissau *



Odete Semedo**

Na Guiné-Bissau, tal como em muitos países de África, as línguas são muitas porque os grupos étnicos são vários, possuindo cada um a sua língua. Porém, no caso específico do meu país, para além das línguas usadas por cada um dos grupos étnicos, existe uma língua franca falada por cerca de 70 por cento da população de todo o país, o crioulo de base portuguesa, e uma língua oficial utilizada na administração e no ensino, o português, dominado por cerca de 12 por cento da população guineense.

Esta realidade linguística da Guiné-Bissau vê-se logo que um bebé nasce: às vezes, mesmo antes da sua nascença, a preocupação dos pais é se será menina ou rapaz e qual o nome a dar ao futuro hóspede.

Na maioria dos grupos étnicos guineenses a preocupação ou curiosidade é maior em relação ao sexo da criança, porque, no que respeita ao nome do recém-nascido, as circunstâncias em que o bebé nascer, a relação entre os pais da criança, a relação da mãe da criança com as suas rivais – em caso dos casamentos políginos –, a relação dos pais com a comunidade, é que ditam o nome.
Por exemplo, na etnia mandinga, a uma criança desejada, muitas vezes é posto o nome de Meta «aquele(a) que é esperado(a) há muito tempo».

A criança de cuja saúde todos duvidam porque a mãe teve uma gravidez difícil, mas que no entanto nasceu de boa saúde – e se se surpreender a mãe a olhar longamente para o filho nos primeiros momentos de vida deste –, pode vir a chamar-se Ntinhina, «estou a ver, mas não acredito no que vejo».
Por vezes, há contradições entre os habitantes de uma aldeia, mas embora de cunho doméstico, muitas vezes dão origem a graves conflitos. Quando uma das pessoas envolvidas numa dessas desavenças vier a ter bebé, à criança pode chamar-se Busnassum «deixem-me em paz/parem de falar de mim”» ou ainda Midana «não leve em conta/ releve/jogue tudo para o alto», e todos estes três exemplos referem-se à etnia balanta.

Quando os pais, sobretudo o pai da criança, aspiram a que o filho venha a reinar, ou, ainda, quando os pais pertencem a uma família da linhagem nobre, ao filho pode ser posto o nome de Nassin «chefe da aldeia».
Em circunstâncias diferentes desta última, mas em que, com orgulho, os pais do recém-nascido entendem que a vinda da criança trouxe harmonia em casa e na tabanca, o nome dessa criança pode eventualmente ser Bufétar «amigo/camarada», na etnia manjaco.

Já na etnia mancanha, quando se espera um futuro melhor tanto para a criança recém-nascida como para toda a aldeia, o nome adoptado pode ser Ulilé «há-de melhorar/há-de ser bom».

E, assim por diante, os nomes acabam sendo parte da vida da comunidade e das pessoas que nela vivem. Cada membro da comunidade acaba sendo, através do seu nome, portador de mensagens das contradições, das amizades, dos desejos e das aspirações de que é feita a convivência entre as pessoas duma comunidade. Por isso, «a nossa relação com a vida, o espaço em que essa relação decorre, tudo e todos quantos, em interacção connosco, aí vivem, passam e deixam rastos, acabam por ser a nossa poesia, o nosso desabafo triste ou alegre...»

E nesse desabafo/ Silêncio falante/ Choro cantado/ Querer desconseguido/ Que mais poderá ser a língua senão um instrumento fenomenal de comunicação entre os seres humanos?

E enquanto nós comunicamos, o latim vagueia no português que se fala um pouco por todo o mundo, no crioulo da Guiné-Bissau, no crioulo de Cabo Verde, no crioulo de São Tomé e Príncipe, no papiá cristão do bairro de pescadores em Malaca, em pó pairando no eco da fala das gentes ou diluído no mar onde navegou o substrato dessas línguas e dialectos.

Cf. Língua esvoaçante, in Antologia

* Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas da Guiné-Bissau
** Escritora e investigadora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas da Guiné-Bissau, para as áreas de Educação e Formação
2003-10-31

segunda-feira, março 13, 2006

No fundo do canto: Odete Semedo e a poesia pós-98


http://www.uc.pt/litafro/files_congresso/resumos.htm
Moema Parente Augel
(Universität Bielefeld - .Alemanha)

DISSASSUSSEGU DI GUINÉ. LITERATURA GUINEENSE EM TEMPO DE CALAMIDADE

RESUMO
A presente comunicação pretende fazer conhecer algumas das mais recentes manifestações poéticas da Guiné-Bissau, produzidas durante e logo após o conflito armado de 1998/99, como um eco dos sentimentos despertados por aquela guerra fratricida e suas consequências. Escritores como Tony Tcheka, Felix Sigá, Respício Nuno, Huco Monteiro possuem poemas inéditos de grande valor, clamando por urgente divulgação. Pretendo ressaltar sobretudo a novíssima obra de Odete da Costa Semedo, No fundo do canto“, no prelo, com publicação planejada ainda para este ano.

A percepção pessoal ou coletiva sobre calamidades ou momentos extremos de crise tem sido fruto de pesquisas as mais diversas. A literatura nascida durante ou em consequência de um conflito militar ou político, debaixo das dores e dos sofrimentos causados pela fuga ou pelo exílio, durante a vida na clandestinidade ou no estrangeiro, ou produzida sob o medo da censura e apesar do cerceamento da opinião pública é de um valor imprescindível como produto estético e também como sinal de advertência para as gerações vindouras. Na Guiné-Bissau não foram poucos os autores que no passado ou na atualidade fizeram desse tema o cerne do seu labor de escritores.

Odete da Costa Semedo, com o longo poema „No fundo do canto“, traz uma contribuição única no campo da poesia guineense, e não só. A autora reflete o clima depressivo que domina seu país, depois do conflito armado e também no momento atual. Expectativas não realizadas despertam sentimentos que deixam traços indeléveis na coletividade, seus efeitos abalam a autoconfiança e a própria identidade e representam um papel importante na relação entre literatura e experiência. A impotência face ao derramar do sangue inocente, a indignação sobre as destruições causadas pelas armas, a revolta sobre os resultados do desmoronamento do projeto nacional são tematizados em um extenso texto, estruturado em poemas curtos divididos em quatro sequências, em que o crioulo se mistura ao português e elementos da cultura multiétnica guineense emprestam uma grande plasticidade ao contexto.

O que norteia o horizonte simbólico de Odete Semedo não são fatos precisos da história de seu país; não lhe interessou a literalização dos acontecimentos reais. Trata-se bem mais de pinceladas de uma paisagem de pesadelo, uma busca de um novo território depois do dilúvio. O inconsciente, com seus pavores e delírios, envolve o político e o ético em uma produção poética sem igual, em parte lírica, em parte épica, da mais extrema dramaticidade.

Mais do que qualquer outro autor guineense, Odete Semedo trabalhou poeticamente o fenômeno da guerra e suas consequências morais e psicológicas. Entretanto, não se trata aqui de uma escatologia. Muito pelo contrário, seu „desabafo“ evidencia-se como um caminho para a superação das angústias e traumas de uma coletividade, a elaboração dos significados da realidade e um instrumento para a projeção de suas esperanças.