segunda-feira, março 13, 2006

No fundo do canto: Odete Semedo e a poesia pós-98


http://www.uc.pt/litafro/files_congresso/resumos.htm
Moema Parente Augel
(Universität Bielefeld - .Alemanha)

DISSASSUSSEGU DI GUINÉ. LITERATURA GUINEENSE EM TEMPO DE CALAMIDADE

RESUMO
A presente comunicação pretende fazer conhecer algumas das mais recentes manifestações poéticas da Guiné-Bissau, produzidas durante e logo após o conflito armado de 1998/99, como um eco dos sentimentos despertados por aquela guerra fratricida e suas consequências. Escritores como Tony Tcheka, Felix Sigá, Respício Nuno, Huco Monteiro possuem poemas inéditos de grande valor, clamando por urgente divulgação. Pretendo ressaltar sobretudo a novíssima obra de Odete da Costa Semedo, No fundo do canto“, no prelo, com publicação planejada ainda para este ano.

A percepção pessoal ou coletiva sobre calamidades ou momentos extremos de crise tem sido fruto de pesquisas as mais diversas. A literatura nascida durante ou em consequência de um conflito militar ou político, debaixo das dores e dos sofrimentos causados pela fuga ou pelo exílio, durante a vida na clandestinidade ou no estrangeiro, ou produzida sob o medo da censura e apesar do cerceamento da opinião pública é de um valor imprescindível como produto estético e também como sinal de advertência para as gerações vindouras. Na Guiné-Bissau não foram poucos os autores que no passado ou na atualidade fizeram desse tema o cerne do seu labor de escritores.

Odete da Costa Semedo, com o longo poema „No fundo do canto“, traz uma contribuição única no campo da poesia guineense, e não só. A autora reflete o clima depressivo que domina seu país, depois do conflito armado e também no momento atual. Expectativas não realizadas despertam sentimentos que deixam traços indeléveis na coletividade, seus efeitos abalam a autoconfiança e a própria identidade e representam um papel importante na relação entre literatura e experiência. A impotência face ao derramar do sangue inocente, a indignação sobre as destruições causadas pelas armas, a revolta sobre os resultados do desmoronamento do projeto nacional são tematizados em um extenso texto, estruturado em poemas curtos divididos em quatro sequências, em que o crioulo se mistura ao português e elementos da cultura multiétnica guineense emprestam uma grande plasticidade ao contexto.

O que norteia o horizonte simbólico de Odete Semedo não são fatos precisos da história de seu país; não lhe interessou a literalização dos acontecimentos reais. Trata-se bem mais de pinceladas de uma paisagem de pesadelo, uma busca de um novo território depois do dilúvio. O inconsciente, com seus pavores e delírios, envolve o político e o ético em uma produção poética sem igual, em parte lírica, em parte épica, da mais extrema dramaticidade.

Mais do que qualquer outro autor guineense, Odete Semedo trabalhou poeticamente o fenômeno da guerra e suas consequências morais e psicológicas. Entretanto, não se trata aqui de uma escatologia. Muito pelo contrário, seu „desabafo“ evidencia-se como um caminho para a superação das angústias e traumas de uma coletividade, a elaboração dos significados da realidade e um instrumento para a projeção de suas esperanças.

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