domingo, dezembro 29, 2024

Sombra di Lakakon Ndongle Akudeta


N tene un sunhu

kanfurbat pa bafa ku binhu
bo nghuninghuni...
ami dja n sta kontenti
paki n tene un sunhu...

n sunha terbesadu kuma
nha korson kamba mar
lungha labal ku si sukuma
tubaron dal buleia
disna ki tchiga djiu-di-reia

kudadi murtcha - ai i nor-nori!
na singadura di maron di l'bardadi
kin ku misti gera pa i bai tera
ku mundu misti padjiga sin bardadi

ami dja... ampus!
n tene un sunhu

Ndongle Akudeta
2003






Sonho contemplado
( adaptado do kriol)

a acompanhar com o vinho
na tasca do tagarelice
serve-se de mim em bandeja
para petisco e gira-disco
eu por cá estou feliz
por ter tido um sonho

sonho avesso em diagonal
alma na travessia atlântica
banhada com a espuma da lua
naveguei no leque do tubarão
e o corpo jaz no ilhéu d' areia

pensar amarfanhado no divagar amorfo
na embriaguez das ondas do libertar
duelo esgrime-se na arena da barbárie
nas praças lavra-se a verdade em série

e eu nesta cabana do pescador
na ternura do descanso na preia-mar
contemplo a fortuna emérita do sonhar

2003








Essa vida
escalvada

em que tudo
se permuta

por as vozes
serem mudas...

tantas nozes
caíram em vão

ervas
sem luzes

gritando
na escuridão

o silêncio
do betão
sentenciou a morte

ombros
sem suporte
branqueando a razão

nunca
fui mestre
no meu nobre ofício

sustento
com desastre
os vícios do novício

esta súcia idade

cuja cor do mérito
é a dor do pretérito

duende
da sociedade

tosse convulsa
ulcera-me
a pulsação

canto de revolta
encharca-me
o coração

pese
tanta avaria
nas ondas do mar -

pássaro
gigante
sem norte

no sol-pôr
gélido
volitando

asas de vela
derretendo

na mordaça
do vendaval

da servilidade -

na luz solene
da madrugada
confesso

às ignotas nuvens
a mais-valia
e conchego

o brio do recolher ao ninho



Adão Quadé
Verão 2002

Palpitação

a ânsia de esperar
morre assim de repente
em qualquer momento
quando impacientemente
esperamos por um cliente
debaixo deste monumento
petrificado sem movimento

o ponteiro certeiro do tempo
rolou inteiro ao longo do templo
para lá do muro do desespero
onde por delíquio jaz o destempo

num gesto de vaivém espero
que me levem ao desterro
gotas tristes da palpitação

Adão Quadé
Oriente.19.12.03
21:30




Imperfeição (Vicivs)

quem me beliscar as chagas
as minhas costas chicotear
o meu desconforto endireitar
e amansar as turbulentas cócegas?
quem?

permanente infecção
carente de enfermeiro
no leito da perfeição
manuseio do ferreiro

experimentando em maço
me amassando em pedaços
atrapalho o que faço em passos
e me desfaço no espaço

aclamo-vos clementemente
libertando-me deste meu ser cretino
cá tenho a correcta chibata
quem quer me chicotear !?

Adão Quadé
Viseu, Sábado, 27.01.2001












Visão Lúgubre


Deslumbrante

achei-me
nas tuas artérias

subo e desço
inerte

deixei-me embalar
ao calor
que verte de sorte

na delícia do teu manto
mortalha
do meu pensamento

pesadelo...
sentir-se só
a rir

bombolom
do holocausto
em balões de ar fausto

alegria
amálgama vestir

um dia
albatroz a voar
fez em mim

fúnebre
pousada
santuário cavernoso
do seu ritual satânico

alado

- coitado do pobre
mancebo imberbe!


Adão Quadé
Lisboa, 2001






Impressões em cloro

Adoro tudo o que as pessoas gostam
Tenho comigo cábulas - impressões em cloro
De todas as articulações que no ar baloiçam
Em tons vivos perpetuadas num limbo inodoro

No histórico Museu de Sons
Tenho registo directo de todos os barulhos
E murmúrios do tempo em miniatura

Do que eu gosto na verdade
(Gestos mergulhados na areia
Podando os descontínuos movimentos
Suspensos no tronco de um velho pinheiro louco)
Espero logo que tenha causado desânimo aos adeptos impávidos
Sou fanático antes de mais dos meus fãs fantásticos


22.08.03
Adão Quadé
Estefânia, casa do Tote








Mon di parmanha

Si bu tene djanta
Pake purkupa
Ku matabitchu

Bicthu ku tene bida
Gargadjada si sol ku raganha
Ta pruntial murtadja

Ma si mundu di kabasera
ten diparmanha
Ka bu disal i firia

Antu di sol na mer-meri
Kumpul kurpu ku djitu

Kil ku na sedu pa i sedu
Ma na konsens ku rispitu


Ndongle Akudeta
28.08.03
Lisboa,16:25







Café da manhã


Almoça-se um tiro
Após um longo retiro
Deixa-se para as crianças
As fatias de pão do mata-bicho

Bicho que persiste no âmago
O sorriso hilariante
Do sol nascente
Embalsama a sua mortalha

Não se desperdiça
O quinhão da manhã
Se da cozinha o cheiro
É prateado de cabaceira

Com gestos de artesão
Comei até lamber a mão
E com toda a arte do peito
Antes do dia reclamar - mas com jeito
Haja consenso e o respeito

E esperemos pelo resultado




Barca de papel (para ti)

Tu és o papel branco
Com que escrevo à caneta azul
Um barco à vela em pleno calor
Visto por um mergulhador
Assino: Sanuíra Juelsa Ferreira Costa
Pelicano perdido na encosta

Improviso uma linda letra para ti, Amor
Com caracteres teatral e tépido e tímido mas tenro
Letras dóceis e mansas como o teu calor
Desta feita sinto-me invadido pelo teu desejo
E nesta nuvem sobre a neve fabrico o teu beijo

Estou pálido como nunca a arrefecer
Da frieza sombria da tua volúpia
Que me conduz ao longo da caminhada matinal

Acordo constipado com febre cor da melancolia
Não sei se te amo como penso imaginando
E se tu de igual forma o abraças...

Unamos os nossos sonhos construamos uma barca
Que tal um cruzeiro ao mar fora planejarmos
Sem lágrimas porque a vela estará acesa
Nas linhas convencionais que o teu sonho abarca!

Adão Quade
Bissau 08.Out.2000 -
Viseu 28.Maio.2001(02:30)





 f

Algumas considerações sobre o  poema de Adão Quadé.

Que poema belo e profundamente simbólico! "Meditação do Tchintchor" captura a essência do tchintchor como um mensageiro de bonança e transformação, envolvendo elementos da natureza e sentimentos humanos em uma dança harmoniosa. A linguagem poética é rica em imagens e metáforas, como o "eco do sorriso" e o "balbúcio das brumas", que criam uma conexão íntima entre o homem, a natureza e a espiritualidade.

O fechamento com a "meditação crucial do tchintchor" reflete a centralidade desse pássaro na cultura e no imaginário guineense, ligando as forças da terra e do céu em um ato de reconciliação e esperança. Uma verdadeira celebração poética da cultura e da alma de Bissau.


Meditação do Tchintchor


Deixa-me esculpir
o teu pensamento
nas barbatanas das brisas

tatuar no peito da lua crisa
com o colar do teu sentimento
o balbúcio das brumas de antemanhã
colosso d’alegria perpetuar
na aldeia de esperança espreitante

O eco do teu sorriso carregando
o obolum de um palpitar crepitante
no qual está se afogando
meu coração desvairadamente

Sede bem-aventurados
ó cortesia nupcial
de rádis com chuva
torrencial

apadrinhados pela noite em cristal
na reconciliação
da terra ansiosa com o céu índigo

na meditação crucial
do tchintchor

Adão Quadé
Bissau,31.07.99


Análise do poema "Meditação do Tchintchor"

O poema "Meditação do Tchintchor", de Adão Quadé, é uma composição profundamente lírica que conjuga elementos da natureza, sentimentos humanos e símbolos culturais guineenses para expressar temas de esperança, reconciliação e espiritualidade. A seguir, analiso os principais aspectos do texto:

1. Estrutura e Forma

O poema apresenta uma estrutura livre, com versos de diferentes extensões e sem uma métrica fixa. Essa liberdade formal reflete a espontaneidade da meditação poética, alinhada ao voo do tchintchor, que simboliza transformação e renovação.

2. Imagética e Linguagem

Adão Quadé constrói um universo imagético rico e metafórico:

  • "Esculpir o teu pensamento nas barbatanas das brisas": Sugere uma fusão entre o pensamento humano e os elementos naturais, como se a natureza fosse cúmplice do sentimento.
  • "Tatuar no peito da lua crisa": A lua, símbolo de vigília e mistério, é apresentada como um espaço onde sentimentos podem ser eternizados.
  • "O balbúcio das brumas de antemanhã": As brumas remetem ao limiar entre noite e dia, representando o início de algo novo, uma esperança que emerge. Essas imagens criam um tom onírico e transcendente, reforçando a conexão espiritual do eu lírico com o ambiente.

3. Símbolo do Tchintchor

O tchintchor é o ponto central do poema, funcionando como símbolo cultural e espiritual. Na tradição guineense, esse pássaro anuncia bonança e prosperidade. No poema, ele atua como mediador da reconciliação entre a terra e o céu, representando a harmonia entre o mundo material e o espiritual.

4. Temática

a) Reconciliação e União

O poema exalta a ideia de reconciliação, expressa nos versos:

  • "Na reconciliação / da terra ansiosa com o céu índigo": Esse trecho reflete o desejo de harmonia entre os elementos naturais e espirituais, sugerindo uma renovação universal.

b) Esperança e Renascimento

O tchintchor, como símbolo de bonança, carrega a promessa de tempos melhores. A chuva torrencial mencionada no poema é um prenúncio de fertilidade e renovação, indispensável na vida comunitária guineense.

c) Amor e Espiritualidade

O "eco do sorriso" e o "palpitar crepitante" apontam para o amor como força vital. Esse amor não é apenas romântico, mas também espiritual, conectado à natureza e ao cosmos.

5. Ritualidade

O poema sugere um caráter ritualístico, especialmente na expressão "cortesia nupcial de rádis com chuva torrencial". O casamento simbólico entre a terra e o céu, mediado pela chuva e pela noite cristalina, evoca uma cerimônia sagrada de fertilidade e renovação.

6. Contexto Cultural

Escrito em Bissau, em 1999, o poema carrega marcas culturais e espirituais da Guiné-Bissau, especialmente no uso do tchintchor como figura central. O autor celebra a riqueza simbólica e mitológica de sua terra natal, enquanto reflete sobre questões universais como amor, esperança e transformação.

7. Conclusão

"Meditação do Tchintchor" é uma obra de grande densidade poética que une cultura, espiritualidade e emoção em um só fluxo. Adão Quadé utiliza o tchintchor como metáfora para explorar temas de renovação e harmonia, criando uma meditação lírica que transcende o particular e se abre ao universal. O poema, com seu tom esperançoso e simbologia rica, é uma ode à vida, à natureza e ao espírito humano.

Nome



espelha-se no incerto o palpite do nulo
esmolaram tudo sem reduto
projectaram o conluio
para o desfalecimento
da honra que baptizou
quem de feto provou o veneno
num cadinho de longo caminho

o prestígio escava-se no solo pátrio
desmoronar o verbo lapidado
em mármore e cobre
pelo oleiro no começo da obra
mesmo fundido no fogo da inquisição
não perde o carácter de inscrição

antes do homem o nome
substância atmosférica 
por excelência nobre
ganha a altitude
avoluma-se e desfaz-se em nuvem
e tudo envolto em luto cobre
sombreando os excomungados doutos
até aos mais hipócritas perturba
e palavreiam corcundas e desnudos
na carência da matéria sólida

enquanto a minha estrela brilhar na noite
e o mar em ondas torcer por meu nome
a noite não dará para muitos sossego
que ao amanhecer gaguejam na sinagoga
e enquanto se proclama a vitória do divagar
demite-se a natureza na falácia da criatura
e o mundo sufocante não passa de caricatura
e todos marchamos à caranguejo – é normal

Adão Quadé 
29.09.2003
03:30

domingo, abril 23, 2023

Karnaval e outros poemas de Adão Quadé



Maskradu
suma katcher
ku ntola na lama
di Pindjiguiti

n bisti kuru
di lagartu bedju
kaskabelu na pitu
korson na manda lata
kuma « ntrudu
n kunsi bu dunu »

n modja tchopot
suma kufu di sal
n medi sai fora
pa borgonha
ka tisinan dinti

n miti bulanha
piskabalu puntan i ke
- Kon ku nghunhi seu...

Karnaval rapasa
ku mon-di-timba
karna ndjuti val
kuma dapi di modja garganti...
ku fadi pa darma Nimba

n magina bu tadju
na latchi kurpu
na badju di Kumpo
suma Ndjimpol

n lembra Kamatchol
ku ta gasidjan po di kurpu
na badju di nalu

ma aos Iangiang
ku ten banu
padiru di kuarti
ku na midi kaparu
ku nha testa di bodi

n tchora banda
ku nha dona tisin
n tchoma Koni i lundju!

Carnaval em Bissau
2005-02-07
Adão Quadé









N Sta li n sta la

n sta li n sta la
sintidu nkotchadu
turbada di friu
kondjelan pitu
na tirina di sol

pitu forti badau
suma limon di tor

bokera nkurbadu
na pidi kopu di kana
kuma bedju di otranu
te tchuba di paranu

djambatutu kanta
kontrada di no kerensa
tok' i roku i kai moku

ma distinu nteres tatch
ndjita bedju bu bin nenin patch

Adão Quadé
00:05 17.01.05



No Museu do Coração 



Estou encharcado aqui neste pântano
condenado ao afogamento pelo destino fatal
coração dilacerado em corte visceral
sonho distante corpo separado da alma
não por vanglória razão desfraldada
sorrio e no ar ofusca-se o ébano

e canto em voz alta a testemunhar
o silêncio do rouxinol no pinheiro
cheiro à náusea de tanto palpitar
vou beber a água na fonte dos amores

em cada momento que olhando
ao espelho te perco de vista
e o peito recarrega-se da mancha
da tua flecha espetada certeira
à custa do fardo que o fado dita
no cerne da arvore da paixão

no museu do coração mumificado
a minha alma jaz em dinossauro
espero uma justa encarnação
esfinge com tronco de centauro

Adão Quadé
17.Janeiro.2005









O TEU OLHAR

Leio constantemente sem palavras
Inspiro-me no leito do teu olhar nebuloso
Distanciando-me no tempo sem querer vejo
Ilhas perdidas no oceano teu pentear em furacão

Antes do despertar a tua voz anima o espectáculo
no teatro idílico da minha vã existência

sereia em digressão meu coração coliseu
lotação esgotada eu sozinho na plateia
despedaço-me em mil vozes para te louvar -

«rio do tempo amorfo desaguando
sob a ponte maciça dos meus pés flutuante
deuses afogados no labirinto da eternidade
a morte crepúsculo da noite fim da vida
não podemos precipitar o percurso do mar»

alquebrado sou engolido pela chama chuviscante
da loucura indomável do teu silêncio no interlúdio
e espero ansioso pelo teu beijo assaz cor de djagatu
sarando a fenda no meu peito acutilado em caudal
e acordo repetindo com o mesmo tom liquefeito
do luzir do teu olhar apunhalante
o gesto draconiano da tua voz vulcânica
enlameando magmática o meu sonho etéreo


Adão Quadé
2005







Nha fala

À Lídia
à beira do rio

*
Nha fala i un dus pasu
Atantiku na diapason
Kuimbra neni bu tuada
Na un kurpu kebra-kebradu
Na un maranha di iran segu
Bu sirbi tas na barkafon
Di nha poetandadi

Bustu di kabral na iari-iari
Kuma tchon ka rakunsil
Suma kobra ku na ramenda
Djunki turpesa di mar
Bu latchi bu tadju di palmera padida
Malila bagana forsa
Pubis taranta didia uan bu serpentasku

Teju ku na lagua
Beju di maron di Djiba
Kur di bu djindjirba pe di ankol
Katabentu di ermankono
Na prantcha di sakor
Nha sunhu i kil un son son
Ma falan kuma
Liti ku basa ka ta djunki
Kabas di djamakosa

N sikidu na Pindjiguiti
N na panga foli
Pa maskotia bu suris
Na kalkanhada di pilikanu
Pa bua sai nkanta mundu
Ku bu garganti fonghol
Na palku nha sunhu
Alma-beafada
Reinu di ndoli

Ndongle Akudeta
23.03.05 - 18:00





Nas Profundezas da alma


Nas profundezas da alma
Um mar morto
Na mortalha de um pensar absorto
Repousa stressante um terramoto
No lençol prateado do calor e sal

Na massa cinzenta da lama
Na ternura de um corpo anzol
Currais e mangroves
Opõem-se em entraves

Não há travão no porão
Sonhar catapultado em trovão
Estrelas-do-mar fazem de âncoras
Para estancar o fluxo repudiante
Das ondas camuflando em cânforas

O sorriso das brisas escaldantes
No conluio da noite de lua cheia

Adão Quadé
02.06.05



Miragens


Escuto o gemido manso
Das águas a cair da encosta
Uma mulher vestida a rigor
Festeja o começo de um dia melhor

O frio acossando as pálpebras
Estancado no átrio da madrugada
A tua sombra jactante
Vulcaniza-se no repuxo

Meu pensar lânguido
Destorcido no patamar do apartar
Sol a esfregar o calcanhar
Na nuca da parede colorida -

Taco galopante de um tiquetaquear
Domando o tom da ânsia brotante
Ofusco-me na galeria do pasmar
E esculpo no azulejo o arco da tua fala

Onça abstida bêbeda do suor da ribeira
O teu reflexo ondulante no vespertino
Ninho de falcão na torre do castelo
Aconchego com o hino à ninfa cantadeira

Pedra de raio refrescante a almofadar
O pó do calor derretendo nos bastidores

04.04.05
Saldanha Residence




Menina do fim do Mundo

A menina do Fim do Mundo
De olhos castanhos e profundos
Gatos nas câncaras embriagados
Celebram em serenatas a tua beleza

Rouxinóis no pinheiro de madrugada
Cantam a nobreza da tua feição
A natureza te concebeu imitando
O carvão da lenha queimada em Geta
A escrita do teu corpo - meta da ficção

Andar senhorial seleccionando a terra
A sinfonia do teu calcanhar - a magia da tracção
A romper o ventre feraz do solo
- campas de ervas mortas
As minhocas veneram a tua moleza
Tchintchor na tribuna - seca era!

Menina do fim do mundo de olhos
Castanhos cântaros de água doce
Rendido em gleba brota em mim
Rosas vermelhas e em Fevereiro
Faço anos e acordo no teu jardim
Na esquina da rua catorze creio

Para que tu me acolhas no teu bouquet
Para que ao entardecer o aroma que murcha
Entre as corolas de malmequeres e jasmins
Espraie no teu sonho o limbo
Do meu suspirar vetusto
No SãoValentim ao longo da soirée

Adão Quadé
27.04.05


No Portal da Garganta

No portal da garganta
uma pedra pesada trancada
imito o canto de colibri
asas dos braços ansiando o deslocar

no convés de um som livre flutuante
flocos de chamas douradas em vómitos
ladeiam o fulgor indómito da madrugada

nas ramagens de um cajueiro
grasna impetuoso o suor do silêncio
destilado em água benta

lenços de orvalhadas estilhaçam
o espelho da cidade gravitante
o rosto grávido da noite hipertensa
esplendor mágico da tocha embriagada
na emancipação do teu corpo
descendente das veias arqueológicas

flexões do caranguejo no lamaçal
profanando a sepultura do jagudi
minha garganta ceptro colossal
do rei Quéops mumificado
no pódio da pirâmide do Egipto

02.06.05


Elegia a Papa Joao Paulo II


Na sombra do chamamento
voa íbis transversal
rouxinol
crucificado em lamentos

Cristo-Rei
imperador das Amazonas
África feita
colónia das procissões

Wojtila cultiva a terra sob o sol
e reza a profecia:
sede peregrino
ó Providência divina

a nós vinde
para que na terra....
pauis, savanas e searas
refresquem as nossas palpitações

enquanto
juncos trigos e gazelas
afinam as nossas
mundanas vocações...

Adão Quadé
2015



Sinceridade

a sinceridade máxima só morre
quando perdemos
a noção da integridade
espiritual

deito-me
sempre
em horizontal
e acordo em transversal

com tronco
pendurado na lua
com a conivência de um fio de cabelo
içado pela grua

Em cada noite perco
um centímetro no espaço
sonho a voar
com as asas do calcanhar

Adão Quadé
01.09.05


Sulco da Paixão 


O sulco
da paixão
elevado ao púlpito
do coração

desconcerta-se

apito da razão
arbitrária

torneio
da loucura
almas em procura

põe-se

a preço de vaca
sono
apunhalado
com uma faca

Adão Quadé
01.09.05




Tiraste do meu bolso
a sigilosa fórmula da paixão
peço-te amor o reembolso
com um ramo de rosa na caixão

ia compor-te mais esbelta
refinada com a cinza da brasa
já que te sentes na ribalta
o meu mistério não graça

exageras-te na química da beleza
tal o clone da musa idealizada
sinto o meu desejo quase realizado
e coroo-te no altar - Sua Alteza
e este meu fardo tara pesada
enfeitiça-se pela leveza

ah! Que coisa tão engraçada
ter sido roubado
por uma princesa

Adão Quadé
02.05
Tasca do Careca

terça-feira, novembro 26, 2019

Karnaval


Maskradu
suma katcher
ku ntola na lama
di pindjiguiti

n bisti kuru
di lagartu bedju
kaskabelu na pitu
korson na manda lata
kuma « ntrudu
n kunsi bu dunu »

n modja tchopot
suma kufu di sal
n medi sai fora
pa borgonha
ka tisinan dinti

n miti bulanha
piskabalu puntan i ke
- Kon ku nghunhi seu...

Karnaval rapasa
ku mon-di-timba
karna ndjuti val
kuma dapi di modja garganti...
ku fadi pa darma Nimba

n magina bu tadju
na latchi kurpu
na badju di Kumpo
suma Ndjimpol

n lembra Kamatchol
ku ta gasidjan po di kurpu
na badju di nalu

ma aos Iangiang
ku ten banu
padiru di kuarti
ku na midi kaparu
ku nha testa di bodi

n tchora banda
ku nha dona tisin
n tchoma Koni i lundju!


2005-02-07
Carnaval em Bissau
Adão Quadé


Poesia Aololo


Poesia aololo
noiba di gatu
ámen

mandrugada
para boka
pa bibi sumu
di urbadju

liti di lunghada
masadu
ku foroba
di sol

Poesia aololo
noiba di gatu
ámen

Ndongle Akudeta
2006

quarta-feira, agosto 01, 2018

MBLUDJU



Vinti kilu di versus
k n karga tip na vow di tap
di lisboa pa bissau 
na mbludju tchomadu strofi


Mpasa frontera n finta alfandika

nkumenda tchiga distinu pubis
alan sol mansi


Bissau korda moku
na tchebeta roku

di un tuku di ronku

Poeta ku kamba osianu
bin ku urdumunhu di paranu


Paransa Guine di otranu

Kintal di beltranu 
gos i ka ponta di mangaflanu


Figakanhota kunfentu di 98
Polon tisin lan ku mankurbat di kessenkessen
liti di poteris
mparia di lunghada odjadu didia uan



Ndongle Akudeta

6/01/2018


Menina do fim do Mundo



Menina do Fim do Mundo
de olhos castanhos e profundos
gatos no telhado embriagados
celebram em serenatas a tua beleza

Rouxinóis no pinheiro de madrugada

cantam a nobreza da tua feição
a natureza te concebeu imitando
o carvão da lenha queimada em Geta

A escrita do teu corpo - meta da ficção

andar senhorial seleccionando a terra
a sinfonia do teu calcanhar - 
a magia da tracção a romper
o ventre ferraz do solo

Campas de ervas mortas

as minhocas veneram a tua moleza
tchintchor na tribuna: - seca era!

Menina do fim do mundo de olhos

castanhos cântaros de água doce
rendido em gleba brota em mim
rosas vermelhas e em fevereiro
faço anos e acordo no teu jardim
na esquina da rua catorze creio

para que tu me acolhas no teu bouquet

para que ao entardecer o aroma que murcha
entre as corolas de malmequer e jasmim
espraie no teu sonho o limbo
do meu suspirar vetusto
no São-Valentim ao longo da soirée

Adão Quadé 27.04.05

Solstício

*



Nasce a bruma da manhã
ainda estou a desdenhar
o mundo pedalando
num sonho embrenhado
nessas profundezas vãs
esfregando as folhas verdes
na busca das velhas cores

A luz do sol arranhando

no outro lado da janela
a escuridão lenta é mais viva
no desvanecido sonho ornado
de papoilas vermelhas

Sinto um arrepio tremendo

rebolando em queda estática
lá bem longe do começo
vindo do terminal do sufoco

E o grito do atrito não poupa

a claustral vaidade dos ouvidos
dobram os sinos da capela
apelando ao chilrear das aves
levanta o fogo ao pé de mim
enquanto gozava a lua de mel
num convento velado pelas chamas

Carregando a cruz da pura inocência

prostrei-me envolto na maca do hospital
soros e oxigénio desvirtuam a impaciência
curiosamente gemi: onde estarás
ó loucura da noite fatal ?!

Adão Quadé
Agosto.03
04:30

Poetare (Manifesto I)



Municiar o alto da alma
Com bombas crepitantes de ar
Gritar na surdez com tanta calma
Na tentativa de um homérico assalto
A muralha das palavras

Camuflar no fio de cabelo

O contingente do verbo
(Léguas ainda há de lavrar !)
Com engenhos luminosos do acervo
Tonificado com sons do silêncio

Pois a frente do combate

É um emaranhando de escuridão
Bolsas de rimas a desmantelar
E transportar às costas
Os versos com pernas feridas

Marcha triunfal com polegar

Bailamos enquanto dissolve a chama
Comprimida em luar efervescente
Chove canção alada estilhaçada
Desabrocha a flor no peito

Untamos com o pó das sílabas

Do vento a assobiar de lente
E aquecemos o sangue exangue
Com o néctar da madrugada em lavas

Embriagada com suor vacilante

da noite desnorteada vigilante
Em honra das vozes suicidas

18-03-2003 2:17:15
Adão Quadé

Sextas Poéticas



Sextas de tabuada
de aritiméticas e de matemáticas
Sextas do ditado da redação da gramática
dos verbos  da história e da geografía
Sextas são sextas!

Sextas de festas
de fim-de-semanas de bebedeiras
Sextas de longa sestas, de namoradas, de amigos e companheiros
Sextas de homens sem mulheres
Sextas de mulheres sem homens
Sextas livres e de alegria - happy day  sexta-feira!
Sextas de pouco trabalho (até ao meio dia...)
sextas de folga,
Sextas de piquiniques, de mandjuandades, de manxidas,
Sextas de conta-mentira...

Sexta é sexta
Viva a festa!

Festejamos a sexta com poesia
Sexta de palavras em festa
Sexta de palavras mansas dóceis e melancólicas
Sexta de palavras tortas e confusas e ardentes
suspensas em versos desgrenhados com penteados difusos
ostentando a percepção da luz opaca do instante

Sexta de brincadeira com coisa séria
Sexta do distanciar do distrair-se e do deleitar
Sexta da pertença e da afirmação
Sexta do labor da colheita e de djambadon
Sexta de fundinho e dala
De  balur de homindadi bistido ku lope di djidiundade

Sexta é sempre sexta para quem não é vespa
Hasta la proxima siesta!

Adão Quadé
17. 12. 2016

sexta-feira, julho 27, 2018

Trampolin

















N sinti bu tcheru
na bentia
na fuska-fuska

sol reman
bofotada tok
n tchantchan'i

n buska sombra
pa diskansa
n nkunha kabesa

na turbuseru
di bu ombra

sur di kangaluta
bagana forsa

pa yangasa bu bis
bu garganti
i trampolin

djiu

ki kudadi ba
pa kamba
gos ka pirsis jangada


Ndongle Akudeta
25.06.0312:05

quinta-feira, julho 05, 2018

Ode à Engomadeira



Engomadeira
exercitando
o contorno da nádega

Na antecipação
da execução
do corpo da música

Emaranhada
em lianas de ritmo
da dança
inconcebível


na harmonia da luz interior
um retalho de lua
na mesa da madrugada efervescente

a lisura da alma
ondulação tranquila da mão macia
no leito da ignição motora
do orvalho
incandescente


Adão Quadé
*****




uma música indecifrável
no alto de um bairro intransponível

já fui rei numa noite infindável
coroada de loucuras e fantasias

fui sim mais que real surreal
transitando na órbita
da melodia
melancólica do fumo
etílico

ressuscitei neófito
com bengala mágica
da auto-flagelação do espírito frontal

preciso silêncio na hora fatal.
música...aurora...carnaval!


04.12.09
A.Quadé

segunda-feira, março 28, 2011

djitu ka ten



djitu ka ten


sodadi
di benten

metadi
di nha vida
na kriason

te gosi
n ka paga
dasa

ninguin tan
ka dan
tasa

n mpinha
nha kabesa
na sivilizason

sin djubi
pa rasa

n disdangu
nha korson

pa ben
di djorson


29.05.08

04:30

Adão Quade

Mentu


mentu


sol
na badju
di tina

kerensa

di lunghada
tras di tapada

na diskubridu

wan

kurpu

di kabas

korson molsidu


na tanki

di iagu
malgosadu

ku limbida
ritmadu

poesia

na tchebeta pa bin

Adão Quadé

25.05.08