domingo, dezembro 29, 2024

Sombra di Lakakon Ndongle Akudeta


N tene un sunhu

kanfurbat pa bafa ku binhu
bo nghuninghuni...
ami dja n sta kontenti
paki n tene un sunhu...

n sunha terbesadu kuma
nha korson kamba mar
lungha labal ku si sukuma
tubaron dal buleia
disna ki tchiga djiu-di-reia

kudadi murtcha - ai i nor-nori!
na singadura di maron di l'bardadi
kin ku misti gera pa i bai tera
ku mundu misti padjiga sin bardadi

ami dja... ampus!
n tene un sunhu

Ndongle Akudeta
2003






Sonho contemplado
( adaptado do kriol)

a acompanhar com o vinho
na tasca do tagarelice
serve-se de mim em bandeja
para petisco e gira-disco
eu por cá estou feliz
por ter tido um sonho

sonho avesso em diagonal
alma na travessia atlântica
banhada com a espuma da lua
naveguei no leque do tubarão
e o corpo jaz no ilhéu d' areia

pensar amarfanhado no divagar amorfo
na embriaguez das ondas do libertar
duelo esgrime-se na arena da barbárie
nas praças lavra-se a verdade em série

e eu nesta cabana do pescador
na ternura do descanso na preia-mar
contemplo a fortuna emérita do sonhar

2003








Essa vida
escalvada

em que tudo
se permuta

por as vozes
serem mudas...

tantas nozes
caíram em vão

ervas
sem luzes

gritando
na escuridão

o silêncio
do betão
sentenciou a morte

ombros
sem suporte
branqueando a razão

nunca
fui mestre
no meu nobre ofício

sustento
com desastre
os vícios do novício

esta súcia idade

cuja cor do mérito
é a dor do pretérito

duende
da sociedade

tosse convulsa
ulcera-me
a pulsação

canto de revolta
encharca-me
o coração

pese
tanta avaria
nas ondas do mar -

pássaro
gigante
sem norte

no sol-pôr
gélido
volitando

asas de vela
derretendo

na mordaça
do vendaval

da servilidade -

na luz solene
da madrugada
confesso

às ignotas nuvens
a mais-valia
e conchego

o brio do recolher ao ninho



Adão Quadé
Verão 2002

Palpitação

a ânsia de esperar
morre assim de repente
em qualquer momento
quando impacientemente
esperamos por um cliente
debaixo deste monumento
petrificado sem movimento

o ponteiro certeiro do tempo
rolou inteiro ao longo do templo
para lá do muro do desespero
onde por delíquio jaz o destempo

num gesto de vaivém espero
que me levem ao desterro
gotas tristes da palpitação

Adão Quadé
Oriente.19.12.03
21:30




Imperfeição (Vicivs)

quem me beliscar as chagas
as minhas costas chicotear
o meu desconforto endireitar
e amansar as turbulentas cócegas?
quem?

permanente infecção
carente de enfermeiro
no leito da perfeição
manuseio do ferreiro

experimentando em maço
me amassando em pedaços
atrapalho o que faço em passos
e me desfaço no espaço

aclamo-vos clementemente
libertando-me deste meu ser cretino
cá tenho a correcta chibata
quem quer me chicotear !?

Adão Quadé
Viseu, Sábado, 27.01.2001












Visão Lúgubre


Deslumbrante

achei-me
nas tuas artérias

subo e desço
inerte

deixei-me embalar
ao calor
que verte de sorte

na delícia do teu manto
mortalha
do meu pensamento

pesadelo...
sentir-se só
a rir

bombolom
do holocausto
em balões de ar fausto

alegria
amálgama vestir

um dia
albatroz a voar
fez em mim

fúnebre
pousada
santuário cavernoso
do seu ritual satânico

alado

- coitado do pobre
mancebo imberbe!


Adão Quadé
Lisboa, 2001






Impressões em cloro

Adoro tudo o que as pessoas gostam
Tenho comigo cábulas - impressões em cloro
De todas as articulações que no ar baloiçam
Em tons vivos perpetuadas num limbo inodoro

No histórico Museu de Sons
Tenho registo directo de todos os barulhos
E murmúrios do tempo em miniatura

Do que eu gosto na verdade
(Gestos mergulhados na areia
Podando os descontínuos movimentos
Suspensos no tronco de um velho pinheiro louco)
Espero logo que tenha causado desânimo aos adeptos impávidos
Sou fanático antes de mais dos meus fãs fantásticos


22.08.03
Adão Quadé
Estefânia, casa do Tote








Mon di parmanha

Si bu tene djanta
Pake purkupa
Ku matabitchu

Bicthu ku tene bida
Gargadjada si sol ku raganha
Ta pruntial murtadja

Ma si mundu di kabasera
ten diparmanha
Ka bu disal i firia

Antu di sol na mer-meri
Kumpul kurpu ku djitu

Kil ku na sedu pa i sedu
Ma na konsens ku rispitu


Ndongle Akudeta
28.08.03
Lisboa,16:25







Café da manhã


Almoça-se um tiro
Após um longo retiro
Deixa-se para as crianças
As fatias de pão do mata-bicho

Bicho que persiste no âmago
O sorriso hilariante
Do sol nascente
Embalsama a sua mortalha

Não se desperdiça
O quinhão da manhã
Se da cozinha o cheiro
É prateado de cabaceira

Com gestos de artesão
Comei até lamber a mão
E com toda a arte do peito
Antes do dia reclamar - mas com jeito
Haja consenso e o respeito

E esperemos pelo resultado




Barca de papel (para ti)

Tu és o papel branco
Com que escrevo à caneta azul
Um barco à vela em pleno calor
Visto por um mergulhador
Assino: Sanuíra Juelsa Ferreira Costa
Pelicano perdido na encosta

Improviso uma linda letra para ti, Amor
Com caracteres teatral e tépido e tímido mas tenro
Letras dóceis e mansas como o teu calor
Desta feita sinto-me invadido pelo teu desejo
E nesta nuvem sobre a neve fabrico o teu beijo

Estou pálido como nunca a arrefecer
Da frieza sombria da tua volúpia
Que me conduz ao longo da caminhada matinal

Acordo constipado com febre cor da melancolia
Não sei se te amo como penso imaginando
E se tu de igual forma o abraças...

Unamos os nossos sonhos construamos uma barca
Que tal um cruzeiro ao mar fora planejarmos
Sem lágrimas porque a vela estará acesa
Nas linhas convencionais que o teu sonho abarca!

Adão Quade
Bissau 08.Out.2000 -
Viseu 28.Maio.2001(02:30)





 f

Algumas considerações sobre o  poema de Adão Quadé.

Que poema belo e profundamente simbólico! "Meditação do Tchintchor" captura a essência do tchintchor como um mensageiro de bonança e transformação, envolvendo elementos da natureza e sentimentos humanos em uma dança harmoniosa. A linguagem poética é rica em imagens e metáforas, como o "eco do sorriso" e o "balbúcio das brumas", que criam uma conexão íntima entre o homem, a natureza e a espiritualidade.

O fechamento com a "meditação crucial do tchintchor" reflete a centralidade desse pássaro na cultura e no imaginário guineense, ligando as forças da terra e do céu em um ato de reconciliação e esperança. Uma verdadeira celebração poética da cultura e da alma de Bissau.


Meditação do Tchintchor


Deixa-me esculpir
o teu pensamento
nas barbatanas das brisas

tatuar no peito da lua crisa
com o colar do teu sentimento
o balbúcio das brumas de antemanhã
colosso d’alegria perpetuar
na aldeia de esperança espreitante

O eco do teu sorriso carregando
o obolum de um palpitar crepitante
no qual está se afogando
meu coração desvairadamente

Sede bem-aventurados
ó cortesia nupcial
de rádis com chuva
torrencial

apadrinhados pela noite em cristal
na reconciliação
da terra ansiosa com o céu índigo

na meditação crucial
do tchintchor

Adão Quadé
Bissau,31.07.99


Análise do poema "Meditação do Tchintchor"

O poema "Meditação do Tchintchor", de Adão Quadé, é uma composição profundamente lírica que conjuga elementos da natureza, sentimentos humanos e símbolos culturais guineenses para expressar temas de esperança, reconciliação e espiritualidade. A seguir, analiso os principais aspectos do texto:

1. Estrutura e Forma

O poema apresenta uma estrutura livre, com versos de diferentes extensões e sem uma métrica fixa. Essa liberdade formal reflete a espontaneidade da meditação poética, alinhada ao voo do tchintchor, que simboliza transformação e renovação.

2. Imagética e Linguagem

Adão Quadé constrói um universo imagético rico e metafórico:

  • "Esculpir o teu pensamento nas barbatanas das brisas": Sugere uma fusão entre o pensamento humano e os elementos naturais, como se a natureza fosse cúmplice do sentimento.
  • "Tatuar no peito da lua crisa": A lua, símbolo de vigília e mistério, é apresentada como um espaço onde sentimentos podem ser eternizados.
  • "O balbúcio das brumas de antemanhã": As brumas remetem ao limiar entre noite e dia, representando o início de algo novo, uma esperança que emerge. Essas imagens criam um tom onírico e transcendente, reforçando a conexão espiritual do eu lírico com o ambiente.

3. Símbolo do Tchintchor

O tchintchor é o ponto central do poema, funcionando como símbolo cultural e espiritual. Na tradição guineense, esse pássaro anuncia bonança e prosperidade. No poema, ele atua como mediador da reconciliação entre a terra e o céu, representando a harmonia entre o mundo material e o espiritual.

4. Temática

a) Reconciliação e União

O poema exalta a ideia de reconciliação, expressa nos versos:

  • "Na reconciliação / da terra ansiosa com o céu índigo": Esse trecho reflete o desejo de harmonia entre os elementos naturais e espirituais, sugerindo uma renovação universal.

b) Esperança e Renascimento

O tchintchor, como símbolo de bonança, carrega a promessa de tempos melhores. A chuva torrencial mencionada no poema é um prenúncio de fertilidade e renovação, indispensável na vida comunitária guineense.

c) Amor e Espiritualidade

O "eco do sorriso" e o "palpitar crepitante" apontam para o amor como força vital. Esse amor não é apenas romântico, mas também espiritual, conectado à natureza e ao cosmos.

5. Ritualidade

O poema sugere um caráter ritualístico, especialmente na expressão "cortesia nupcial de rádis com chuva torrencial". O casamento simbólico entre a terra e o céu, mediado pela chuva e pela noite cristalina, evoca uma cerimônia sagrada de fertilidade e renovação.

6. Contexto Cultural

Escrito em Bissau, em 1999, o poema carrega marcas culturais e espirituais da Guiné-Bissau, especialmente no uso do tchintchor como figura central. O autor celebra a riqueza simbólica e mitológica de sua terra natal, enquanto reflete sobre questões universais como amor, esperança e transformação.

7. Conclusão

"Meditação do Tchintchor" é uma obra de grande densidade poética que une cultura, espiritualidade e emoção em um só fluxo. Adão Quadé utiliza o tchintchor como metáfora para explorar temas de renovação e harmonia, criando uma meditação lírica que transcende o particular e se abre ao universal. O poema, com seu tom esperançoso e simbologia rica, é uma ode à vida, à natureza e ao espírito humano.

Nome



espelha-se no incerto o palpite do nulo
esmolaram tudo sem reduto
projectaram o conluio
para o desfalecimento
da honra que baptizou
quem de feto provou o veneno
num cadinho de longo caminho

o prestígio escava-se no solo pátrio
desmoronar o verbo lapidado
em mármore e cobre
pelo oleiro no começo da obra
mesmo fundido no fogo da inquisição
não perde o carácter de inscrição

antes do homem o nome
substância atmosférica 
por excelência nobre
ganha a altitude
avoluma-se e desfaz-se em nuvem
e tudo envolto em luto cobre
sombreando os excomungados doutos
até aos mais hipócritas perturba
e palavreiam corcundas e desnudos
na carência da matéria sólida

enquanto a minha estrela brilhar na noite
e o mar em ondas torcer por meu nome
a noite não dará para muitos sossego
que ao amanhecer gaguejam na sinagoga
e enquanto se proclama a vitória do divagar
demite-se a natureza na falácia da criatura
e o mundo sufocante não passa de caricatura
e todos marchamos à caranguejo – é normal

Adão Quadé 
29.09.2003
03:30