segunda-feira, janeiro 30, 2006

Andanças



deixai-me vaguear
por estes enredos
caminho
da crua unidade

se um dia
a minha língua
for condenada
ao abismo
das palavras...

escavai os meus passos
ressuscitai os traços
são pegadas
fac-similadas
das matrimoniais
andanças
ancestrais

eternidade!

Adão Quadé
2002/02/10

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Um estranho estrangeiro em Madrid - Puerta del Sol

terça-feira, janeiro 24, 2006

África esquizofrénica


Na batente da sua porta
espreito uma mãe que já não importa
que significado tem a vida
pela inconstância vivida

esta chama-se África
e é uma situação esquizofrénica
que a incita a esquecer-se dela
quando todos os olhos voltam para ela

na aurora, juntamente com os raios solares
penetro no seu «konko»[1]
todo o sofrimento traduzido em lágrimas é pouco
só nota-se desespero nos olhares

é ali dentro que tudo vejo mas não refilo
vejo ali criança que já não é filho
acredito que enquanto vivemos tudo podemos ver
vejo ali morto que não é cadáver

pode parecer mistério
mas sem túmulos é ali o cemitério
e, até voz já não há p’ra gritos
no fundo vive-se de palpites

Manuel Pedro pereira, Jr.
(DJOMBODIKILIN)
Moscovo, 30/08/2003

#

[1] «Konko» anêxo a uma casa, uma especie de niquel

sexta-feira, janeiro 20, 2006

TEMOS GUINÉ NO CORAÇÃO !!!




«ÌÎËÎÄÛÅ ËÞÄÈ ÂÛÐÀÆÀÞÒ
ÑÂÎÈ ×ÓÂÑÒÂÀ»

UMA ANTOLOGIA POÉTICA DE
ESTUDANTES GUINEENSES EM MOSCOVO



Organizada e compilada por:

Ansumane Sanha

Moscovo, Janeiro de 2003

____

NOTA DO AUTOR*

A presente brochura, propositadamente intituladas por “ÌÎËÎÄÛÅ ËÞÄÈ ÂÛÐÀÆÀÞÒ ÑÂÎÈ ×ÓÂÑÒÂÀ” (Jovens expressam seus sentimentos [sobre Cabral e sobre a Guiné]), contêm poesias de jovens estudantes guineenses em Moscovo, Rússia. O recital dessas poesias enquadrou-se nas actividades comemorativas de mais um aniversário do 24 de Setembro – data da Independência Nacional - (organizadas pela Associação de Estudantes da Guiné-Bissau na Federado da Russa – AEGB – em Setembro de 2002). O evento teve como objectivo de, por um lado, descobrir talentos no campo literário e, por outro lado, incentivar a criatividade literária dos nossos jovens poetas.
A recital de poesias foi feita em forma de concurso, para o qual foi constituído um júri, por mim presidido, e que ainda integrou Paulo Silva e contou com a especial e honrosa participação do Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Guiné-Bissau na Federação Russa, Dr. Rogério Helbert.

O conteúdo das poesias, cuja analise deixo a cargo do leitor, o sentimento nostálgico do pais que nos viu nascer, evidenciado nos poemas, a articulação dos temas com a realidade africana (e sobretudo guineense), a forma expressiva, viva e desprendida como foram recitados os poemas, constituem alguns dos aspectos que acho dignos de serem salientados.

Pessoalmente, sinto-me feliz por poder cumprir uma promessa que fiz a mim mesmo: compilar e organizar os poemas numa brochura, dando, assim, a minha modesta contribuição para a difusão e engrandecimento da Literatura e da Cultura Guineenses.

*O autor
Ansumane Sanha

Ansumane Sanha e Estudante da Faculdade de Economia. Experiências no campo literário: foi vencedor de dois prémios literários “José Carlos Schwartz”, promovidos, em 1991 e 1994, pelo Centro de Estudos da Embaixada do Brasil, em Bissau. Frequentou o curso de Literaturas Brasileira e Portuguesa, respectivamente no Centro de Estudos Brasileiros e
no Centro Cultural Português.


POESIAS


*****

GUINÉ E CABO VERDE

Guiné e cabo verde
faces da mesma moeda
filhos do mesmo PAI
gerados do mesmo ventre
orientados pela mesma seta
quer no tarrafal, quer no “djiu de galinha”
a procura dos atalhos da liberdade

A Guiné e Cabo verde
nasceram do sol, suor, verde e mar
do desespero e da esperança do nosso povo mártir
do sangue do Ramos, da Silla, da Ntungue e do Cabral
que coloriu a nossa bandeira (ku boé pega partu)

A luta de libertação nacional terminou
depois de muitos “paranta ku tchebur”
a Guiné e Cabo verde libertaram-se
mas ainda não se libertam
o Tite, o Komo e a Guiledje,
o Fogo, o Sto. Antão, o mercado “somnadur di Bande”
a liberdade só terá significado quando o M’bana Kabra,
o Duarte Kambalala deixarem de “coicoir”
nos becos e guetos das nossas tabancas


por:Manuel Pedro Pereira Junior(DJOMBODIKILIN)
Estudante do Instituto Hoteleiro e Turismo (Turisìo).

****************
GEBA, O RIO TESTEMUNHO

Antes de se calarem as metralhadoras assassinas
já choram …
choravam viúvas e órfãos
antes mesmo de pararem todos os corações massacrados
já se entendia que a liberdade tem um preço…
Tudo começou no Pindjiguiti
O rio Geba a tudo assistiu
E testemunho …
O rio …
O rio que corre com os vultos dos que a sua margem tombaram
O rio …
Rebolando-se no chago ensanguentado da nossa razão
Debruçadas sobre seus respectivos cadáveres
Lacrimavam, lacrimavam
As gaivotas que ali passaram iam divulgando a dor
Os malfeitores ainda lá estavam
Com os olhos atentados que ainda respiravam
Os mais idosos
Somente esses
Murmuravam sua mágoa
Mágoa que aparentava-se infinita
Mas o Geba estava lá
O Geba é testemunha
Corpos ensanguentados flutuavam
Ensanguentaram o nosso Geba com sangue irmão!
Mas afinal era o início
O início do fim.
Obrigado nossos primeiros combatentes!
Combatentes de Pindjiguiti
Combatentes que mereceram o merecimento de Cabral!
E que jamais haja botas estrangeiras
Espezinhando nosso sentimento, nossa cultura …
nossa razão…

Luis Artur Seabra(TUI)
Estudante da Faculdade de Direito (Direito)


***********


ACORDA CABRAL!

A nossa identidade está
a perecer
olhei e vi a cidade
escancarada num silencio
moribundo
os monumentos a pó da terra
a bandeira, nossa verdadeira identidade,
já não brilha, já é escura como o amanhecer
antes da aurora

Acorda Cabral!
ou é grito da águia
na aurora mesquinha?
ou é grito do leão faminto
ao raiar da lua?

ou será o grito da criança
ao colo da mãe que foge
inocentemente da fúria
da morte destinada
ou o que é?
ou é que, nesta anarquia hipócrita,
que te fará acordar?

Acorda cabral!
acorda-te hoje mesmo
que amanha é outra centelha da vida

despertai com os lírios
dos campos
com as ondas do mar que
sobem
se não a nossa identidade
perecera, e seremos
como umas dessas
alimárias selváticas
que não se conhecem identidade
de cada uma
seremos como uma dessas aves diurnas que sulcam
debandada mente a brisa da noite

Acorda cabral!
e a nos também!
cada um de enxada nas mãos
e calças bem cingidas
partiremos em busca de novos
horizontes p’ra lavrar
cultivar e regar continuamente
as memórias dos mártires guineenses

por:Alberto Denca
Estudante da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
(Administração Pública)

*********
EI, AMILCAR REVOLUCIONÁRIO!

Ouviste as vozes sufocantes do Povo da Guine
combatentes infatigáveis
sempre inspirados na liberdade
quem é que não queria a liberdade?
todos queriam, mas não podiam falar …

nas tuas mãos estavam depositadas
as esperanças do povo guineense

com a tua inteligência conseguiste mostrar á africa
e ao mundo que a força unida do povo guineense
oprimidos até então triunfara

pegando em catanas, machados, paus
combatemos os colonialistas
e com a razão ao nosso lado vencemos
proclamando a independência do povo guineense
tornando-o mais um país livre em áfrica

Obrigado Cabral

Ledy Alfredo da Costa
Estudante da Faculdade das Ciências Sociais e Humanas
(Administração Pública)
************


TIRAM-ME O ALGEMA DO CORAÇÃO


As luzes dos céus incandesceram
As noites das nuvens cinzentas
fizeram expandir a magoa
que abalou o coração guineense
o coração cabo-verdiano
o coração africano

Neste dia, trovejou na minha terra
relampejou nas ilhas de cabo-verde
a africa inundou
Chuvas …
chuvas que como estas
jamais cairam no meu chão
jamais cairam sobre a minha bandeira
chuvas …
chuvas que caiam dos olhos
corriam toda a face
e desaguavam no peito
peito de dor
peito da mamã áfrica

isto era um fogo-frio
que d’um lado me queimava
do outro, me consolava

o físico dos homens
desapareceu
mas as suas obras
estavam vivas

Abel Djassy, os camaradas te chamaram
Cabral, eu te chamei
te chamei para dizer que o caminho
que com as tuas mãos construíste para mim
já o encontrei
e que para amanhecer
é questão de consenso
porque debaixo do poilão
já não há escuridão

com os olhos no tempo
já atravessamos o mar de sangue negro
isto foi o repousar dos combatentes
isto foi tudo o que os homens levaram consigo
isto foi tudo o que nos restou


tiram-me a algema do coração
pois, tudo o que pedi
foi liberdade
tudo o que pedi
foi a independência
tudo o que humildemente
pedi ao meu patrão
foi o despisar das suas botas criminosas
do meu chão

as colheitas que com muito
suor e carinho
plantariam os homens
foram todas assassinadas
mas, nas bembas haviam
ainda sementes
a minha terra, esta sim
foi aterrorizada
mas de mim não tiraram nada.

Tengna Nafafe
Estudante da Faculdade de Filologia (Jornalismo)

*********

INDIPENDENSIA



ampus
500 anus pasa
no donas, no papes, no mames
lebadu e rastadu e trokadu
ku tabaku, panu, kana, sapatu
ku utrus kusas ku n ca pudi tchoma

sol tudu noti ku i noti
na mansi so ki i ta resta nel
i bim ten un fidju di guine
ku tchoma cambarada cabral
nnao i camarada cabral
ku punta: kin ku misti independensia ?
tudu misti ma ninguin ka pudi papia
ku kolmo na mon
korenti na garganti
tchikoti na mon na kosta
ai nha ermons
i limarias ou pekaduris ?

cabral djunta si ermons
i nterga elis mantchadu, tarsadu ku manduku
bo kutila, si mermeri
bo mandukia

cabral muri, ma si forsa ka muri
Onze anus pasa bas di sol, serenu ku tchuba
Independensia faladu, bandera ialsadu, viva pupadu
Antigus ku si kombatentis entra prasa
Prasa djumbuli
Nangnanghidus – nangnanghi
Tartaridus – tartari
I katen nanunke – ku fadi simbaba
Nsonda – nsondadu

Na es brasu un palma, prua vira kontra mare
Ki kussa ki bisti di panu burmedju, ku kampainha
na rabada, si fiansa pa i tchiga matu

n ripindi keku manda, i masan n ka pontarial
i kuspin n ka bunfal
i kacan n ka ialal
Pa indipendensia, Cabral na seu, Dimingu Ramus na seu
Pansau Na Isna na seu, Titina Sila na seu, Dom Septimio A. Ferrazzeta

Na djunda djunda de Djanke Wale ku Agusti timba na Polon di Bra
Watcha – Katcheu

Ibraima Sane
Estudante da Faculdade de Engenharia
(Construcao Civil)

*************



KURI KURIDU!
PUNTA PUNTADU!
RAPA TCHIGA TOTIS!

Turpesa rastadu pa sintanda omi garandi
Ku sintidu susu, omi rasa banana, toma bandera di fama
N’na kosta nha kara i tistimunhu di nhara sikidu

Kuma na kil noiti si gritu obidu di fundu di matu tena tabanka
Moransa kinti wit suma kuntchur di tia Pampa
Homi garandi muri

Hoje e dia de luto no povoado
E um dia de confusão e de desespero
Hoje há luto e silencio no Kitafine

Veio o M’bana
Com o seu barcafon de ódio
E foi odiado

Fixou no povo um olhar frio
A ver se alguém tremia
Mas ninguém tremeu
Todas as forcas do povo contornavam ódio
O povo odiou M’bana

Depois ele fez um sorriso amargo
Como que uma provocação,
Odiado

Com um malefício e pronunciou com desespero:
Cabral muri, nha djintis !!!

No dia ku motika
Kal ku no sorti?

Perguntou o Arfam
De que morte?
Respondeu o M’bana:
A morte que vem subitamente
A morte que vem inesperadamente
A morte que vem a correr
Que vem de passagem

Pubis punta, mas kal ku no sorti ?
M’bunde fala elis:
Bo djunda turpesa bo sinta
No pensa na no Guine !



Oliver Biquer Oliver Biquer
Estudante da Faculdade de Engenharia
(Construcao Civil)

**********



FINDOU A NOITE E RAIOU A MADRUGADA

Quanto mais brilhavam as lâminas
cantando as minhas orelhas,
mais pairavam as deduinas
nos meus túneis dançavam as abelhas
inquietas, insonolentas e turbulentas
melancólicas, mórbidas e nostálgicas

curtindo aos ritmos dos tambores
ao toque das mandíbulas
em semblantes de peixes
içados ao hino monótono dos pescadores.

os papagaios e as borboletas
flutuando no berço das fogueiras
no patamar do senhor das terras,
vendo pirilampos a horizontes manhosos
frente de um mar de venenos
inconcebível atravessar!
sendo ventos revoltantes
aguas refutantes
desertos refugiantes
contraindo oásis mortíferos,
dos andares escaldantes
nas sombras dos dias prósperos,
divertindo-se ao espelho da lua
numa mata desnuda

no céu da rua
já amanheceu a bússola
transformando o relógio magnético
do teor profético
são horas de partir para bem longe
pois nesta pátria sagrada
findou a noite e raiou a madrugada
onde se correm mares contagiantes

Allende Samori Fernandes(Alsafequa – o Profeta )
Estudante da Faculdade das Ciencias Sociais e Humanas
(Sociologia)

sexta-feira, janeiro 13, 2006

O olhar triste de um líder



a brisa pindjiguitiana
bate suavemente no meu busto
sem corpo para mais sofrer
atrás dos meus óculos - um sonhador
debaixo da minha sumbia - um pensador[1]

dizia eu:
«sou um simples africano a cumprir o seu papel na sua própria terra»
«os que sabem devem ensinar aos que não sabem»
«as crianças são as flores da nossa luta a razão principal do nosso combate»

afinal ninguém se sente guineense
não há quem ensinar aos outros
e que as crianças «kolontchidus»[2]
são as flores murchas de sede
e, que combatia não porque tinha razão

passados já quase trinta anos
e ainda os olhos do meu retrato
espia o prato do povo
feito de dores e dissabores
que p’ra meus continuadores
e uma legítima lógica
discriminada da minha linha ideológica

o meu olhar é triste
o meu olhar as «bideras» do cais[3]
que «kutikuti» com as barrigas das crianças[4]
por causa do pão nosso que não chega a todos
«afadi tchabi» que não abre a toda as portas[5]

Manuel Pedro pereira, Jr.
(DJOMBODIKILIN)
Moscovo, 30/08/2003

#

[1] sumbia - espécie de barrete
[2] kolontchidus - palavra crioula que significa famintos
[3] bideras- vendedoras
[4] kutikuti- palavra crioula para “engenhar”,desenrascar-se
[5] afadi tchabi-como se fôsse a chave